A Paixão de Cristo

Segundo o cirurgião CAPÍTULO 20

COROAÇAO DE ESPINHOS
Resultado de imagem para paixão de cristo segundo medico
De há muito tomaram os artistas o hábito de envolver a cabeca

de Jesus com uma coroa circular de espinhos entrelaçados. A pintura
bizantina ignorava qualquer coroa, que não se vê a não ser,
excepcionalmente, entre os primitivos italianos. Pedro Lorenzetti e
Giotto nada representaram sôbre a cabeça. Mas a partir do século
XV, em todos os pafses, esta cinta de espinhos se impôs e persistiu
até nossos dias. Por que foi adotada esta forma de coroa e tão
fielmente conservada? Sem dúvida, por razões estéticas, ou também
por ignorância. Pintores e escultores interpretaram a seu modo os
textos evangélicos sem a menor preocupação arqueológica, nem poderíamos
exigir dêles outra cousa.
Lucas não fala da coroação. Marcos escreve: "Peritithéasin
autõ pléxantes akanthinon stéphanon. - Cingiram-no com uma
coroa de espinhos que tinham acabado de entrelaçar." ( 15, 1 7 ) . Mas
não indica com isto a forma ; Mateus e João são mais explícitos:
"Pléxantes stéphanon ex akathõn, epéthekan epl tes kephales autoü
- Tendo entrelaçado uma coroa de espinhos, colocaram-na sôbre a
cabeça d':tl:le." ( 27, 29) João diz: "té kephalê" mas com "epéthekan"
o que vem dar no mesmo. ( 1 9, 2 ) .
S . Vicente de Lérins ( Sermo i n Parasceve ) escreverá mais tarde:
"Coronam de spinis capití eius imposuerunt, nam erat ad modum
pilei, ita quod undique caput tegeret et tangeret. - Impuseram-lhe
· na cabeça uma coroa de espinhos, que era à maneira de "pileus"
( = carapuça, gôrro) de sorte que por todos os lados lhe cobria e
tocava a cabeça". E acrescenta que produzira essa carapuça 70 ferimentos.
- O "pileus" era, entre os romanos, uma espécie
de gôrro semi-oval de feltro que envolvia a cabeça e servia principalmente
para o trabalho. Era de resto um sinal de liberdade, de
onde a expressão para libertar um escravo: "servum ad pileum
vocare - chamar um esc1·avo ao pileo". S. Briglda afirmaria, mais
tarde, em suas reveiações, que a coroa dilacerava tôda a cabeça de
Jesus.
Tudo isto vem confirmar o que claramente insinuavam Mateus
e João: a coroa era uma espécie de gôrro formada de ramos espinhosos
entrelaçadõs e não um anel. Era necessário fixar êste barrete
à cabeça por meio de uma ligadura. Existe pelo mundo a fora
boa quantidade de espinhos da coroa que foram distribuídos uo
decurso dos séculos para satisfazer a devoção das cristãos.
Admite-se, geralmente, que pertencem a um arbusto de espinhos
comum na Judéia, o "Zizyphus Spina Christi", uma espéci􀙰
de açofeúeira (árvore da família das ramnáceas, também conhecida
por jujubeira) . :t provável que houvesse um monte delas no protório,
para alimentar as fogueiras destinadas ao aquecimento da
cõrte romana. Os espinhos são longos e muito agudos. O couro ca-beludo sangra muitc- e com facilidade; como êste chapéu foi enterrado
a pauladas, os ferimentos produzidos devem ter feito correr
bastante sangue.
Conserva-se na catedral de "Notre-Dame" de Paris a "coroa
de espinhos". S. Luís comprou-a aos Vênetos, a quem o Imperador
de Constantinopla havia entregue como garantia por um empréstimo,
e foi êle quem mandou construir para essa relíquia a "Santa
Capela". Ora, esta coroa não tem espinhos, é um simples circulo
de juncos trançados. Mas tudo se explica perfeitamente, ,pois foi
com êle que os soldados, depois de terem aplicado o chapéu de
espinhos na cabeça de Jesus, o fixaram apertando-o na frente c
na nuca. Isto também explica que autores antigos, depois de Gregorio
de Tours, tenham dito que a coroa era de "juncos marinhos"
muito ponteagudos ( ? ! ) .
Uma tal coroa deve ter ferido bastante o crânio em tôda sua
superfície e a testa. Olhemos agora para o Sudário. O alto do
crânio não aparece, deve ter ficado escondido pelo clássico lenço
destinado a manter a bôca fechada.
Na imagem posterior pode-se fàcilmente ver, em tôda a altura
do crânio, fluxos de sangue (refiro-me aos coágulos que deixaram,
cf. pág. 35, 2.a alínea) descendo cada um, do ferimento de um
espinho e seguindo trajetos irregulares. Param todos êles no nível
de uma linha, um pouco côncava no alto, que marca evidentemente
a passagem do feixo de juncos apertados sôbre a nuca. Depois,
abaixo dessa linha, torna a partir outra série de abundantes fluxos
que parecem se perder na massa dos cabelos.
É atrás que há maior quantidade de sangue acumulado, o que
de resto não tem nada de extranho uma vez que, durante tod9 o
período em que estêve Jesus na cruz, era nessa altura que devia
se apoiar a coroa e esbarrar na patíbulo a cada soerguimento da
cabeça e fincar sempre um pouco mais os espinhos no couro
cabeludo.
Na frente, os fluxos sanguíneos são mais discretos, mas em compensação
ainda mais legíveis. Já os encontramos no alto do crânio
que dêle correm em longos rêgos, por sôbre cada uma das mechas
de cabelo que emolduram o rosto. Do alto da testa partem quatro
ou cinco que descem para o rosto.
Uma delas é particularmente surpreendente e de tal veracidade
que dela jamais vi pintor algum imaginar nem executar outra semelhante
(figs. 6 e 7 ) . Começa por uma picada, muito alta, no
límite dos cabelos. Depois, o fluxo desce para a parte interna da
arcada superciliária esquerda, por trajeto um pouco sinuoso para
baixo e para fora. Vai se alargando progressivamente, como o faz,
em um feri<;io, um fluxo real que encontra obstáculos.
Não devemos nunca nos esquecer de que só vemos a parte
de sangue que se coagulou, pouco a pouco, sôbre a pele. O escoamento
é lento e contínuo, a coagulação pede alguns minutos para
se produzir. Portanto só uma pequenina parte podia se coagular
nas proximidades da chaga. Quanto mais se desce para o rosto, tanto
maior é a quantidade de aan􀙱ue que ai chega, no t.empo de coagu-laçio.
Cada vez mais, o fluxo sucessivo de sangue acumula seus
coãgulos uns sôbre os outros em camadas sucessivas. A massa total
do coágulo será, portanto, tanto mais espessa e larga quanto mais
baixo examinarmos, e isto porque o sangue encontrou obstáculos.
Devem_os ainda chamar a atenção para o fato de que o sangue
nio desceu todo direito em fluxo retilíneo. Quase nunca sabem os
artistas evitar êste êrro ; quando o trajeto é irregular, nas pinturas,
é puro capricho, que não se explica por nenhum obstáculo nem por
outra causa natural aparente. O fluxo aqui ondula um pouco para
n esquerda e é muito natural: seja porque segue, momentAneamente,
um sulco da testa, seja antes porque uma haste espinhosa aplicada
obliquamente sôbre a testa obriga o fluxo a seguir por um momento
sua obliquidade.

Na parte inferior da testa, êste mesmo fluxo sanguíneo, que
bem merece esta análise minucios􀃪 Q.etem-se acima da arcada das
sobrancelhas e se estende horizontalmente na direção da linha mediana
aumentando em altura e em espessura, o que torna mais intensa
a coloração do decalque. Temos ai os sinais de uma interrupção
na descida, de uma espécie de calha atrás de uma reprêsa.
O sangue foi obrigado a se acumular ai, lentamente, onde pôde se
coagular com todo vagar, de onde a extensão em largura, o crescimento
em altura e o aumento em espessura do coágulo.
Há ali um obstáculo, que está, evidentemente, na região onde
o feixe de juncos cingia a parte inferior da testa, por cima das arcadas
das sobrancelhas. Uma das hastes de junco estava transversalmente
comprimida sôbre a pele da testa: há ali uma faixa horizontal,
sem coágulos, em tôda a extensão da testa, à direita e à
esquerda, para os lados, dois coágulos se detêm, nitidamente, no
mesmo nivel e bem se pode seguir, em seu conjunto, o trajeto da
faixa. Abaixo dela, o sangue reaparece na vertical do fluxo frontal
que acabamos de analisar, abaixo do ponto em que êle começara a
se estender horizontalmente e a se espessar na linha mediana.
Como o obstáculo continua sempre ali, colado à pele, o sangue
acabou por se uúiltrar per entre os talos do feixe e conseguiu vencer
a reprêsa. O CC'âgulo que se formou por baixo é, no comêço,
delgado e estreito na região suborbitária, depois, se estende e se
espessa progressivamente na parte interna da sobranc􀃫lha esquerda
até a cavidade orbitária. t sempre o mesmo mecanismo de escoamento
e coagulação.
Desafio a qualquer pintor moderno, a não ser que seJa êle
cirurgião e que conheça a fundo a fisiologia da coagulação, e que
tenha meditado profundamente sObre tôdas as metamorfoses dêsse
delgado filão de sangue se coagulando lentamente no meio de obstáculos,
de imaginar e executar esta imagem do coágulo frontal.
Mesmo nestas condições, é mais do que provável que, aqui ou ali,
'llgum deslize venha denunciar o falsário e a obra de imaginação.
Quanto ao hipotético pintor que se ousou pretender capaz ( após
ter pintado imagens negativas em plena Idade Média) de imaginar
tOdas as minúcias dêste coágulo tão veraz como sôbre o ser vivo,
é cousa que repugna ao fisiologista e ao cirurgião, ainda que se admita ter sido um grande gênio êsse tal pintor. Peço-vos, não mais
falemos disso! Esta imagem, por si só, deveria ser suficiente para
provar que mais ninguém tocou o Sudário a não ser o próprio
Crucificado. E é esta uma entre centenas de imagens.

Acompanhe livro capítulo por capítulo clique aqui PAIXÃO DE CRISTO


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog