A Paixão de Cristo
Segundo o cirurgião CAPÍTULO 26

A COAGULAÇÃO SANGUíNEA

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Como o recorda S. João o profeta Zacarias bem predisser::� :
"Videbunt i n quem transfixerunt".
Devo aqui recordar algumas noções elementares de fisiologia,
que aliás servem para o exame de tôdas as chagas, por ter verificado
muitas vêzes, que eram mal conhecidas mesmo por parte
de pessoas eruditas, mas não pertencentes à classe médica: o sangue
permanece sempre líquido nem se coagula jamais num vaso
intacto. ( A trombose que se produz numa veia atingida por flebite
é fenômeno completamente diferente) . Continua liquido mesmo
nas veias do cadáver e isto quase que indefinidamente, até a putrefação
ou dissecação (Vêde cap. I, E, 1 .0) .
E mesmo ali, fica por algum tempo vivo, pois já foram feitas,
na Rússia, transfusões de sangue de cadáver. Se, em França, não
usamos dêstes métodos, será talvez devido a razões sentimentais. É
certamente, por falta de pacientes que voluntàriamente aceitem
tal transfusão. Para isso é necessário, com efeito, pessoas sadias,
das quais se tenha verificado antecipadamente o grupo sanguineo
e cuja morte prevista e legalmente provocada, seja produzida por
traumatismo que poupe a massa sanguínea, como não é o caso da
guilhotina nacional (além de que, em nossos dias, há mui poucos
guilhotinados ) . Será, portanto, necessário o tiro na nuca.
O sangue se coagula quando sai do vaso. Espalha-se, no caso
que nos ocupa, sempre líquido, correndo por sôbre a pele. E é
nela que uma parte do fluxo, a que não caiu no chão, se coagula
progressivamente formando um. coágulo de fibrina vermelha por-que apriSiona em suas malhas os glóbulos vermelhos. Secundàriamente
êste coágulo se contrai exsudando sua parte liquida, o
sérum, que se espalha em volta dêle. Coágulo e sérum podem
manchar, um no centro e outro na perüéria, os tecidos aplicados
sôbre a pele. Mas não se deve falar de fluxos de coágulos e de
sérum. É o sangue líquido que corre; o coágulo se forma sôbre
a pele, a ela adere e ali resseca.
Isto é de certa importância, sobretudo para a chaga do
coração, por onde se esvasiou, em duas ocasiões distintas, todo o
sangue das grandes veias, o que signüica um volume considerável,
uma vez que as artérias estão vazias no cadáver. É bem verdade
que grande parte dêste sangue deve ter caído no chão.
Dêle não restou, para formar as duas manchas anterior e posterior,
a não ser o pouco que se coagulou à medida que sua viscosidade
o fazia aderir à pele na qual ficaria fixado.

OUTRAS HIPóTESES
Estas advertências me levam a descartar duas hipóteses que
me parecem inadmissíveis.
a) Para o Dr. Stroud e para o Dr. Talmage, de acôrdo com
uma imaginação de Renan, o coração de Cristo se teria rompido
espontâneamente. O sangue teria inundado a cavidade do pericárdio
e ali se teria coagulado. A lança abrindo o pericárdio, sem atingir
o coração (apesar de ter sido bem visado, e do grande empenho
em atingi-lo! ) teria feito sair coágulos e sérum; êste sérum seria
a água a que se refere S. João. - Esta tese é insustentável, embora
sedutora por seu lado pseudo-místico: o excesso de amor que faz
romper-se o coração de Jesus. Mas:
1) Supõe isto grave enfermidade do miocárdio ( infarctus,
degenerescência amilóide) ; quando nada, nos Evangelhos nos permite
supor doença alguma em Jesus.
Um pericárdio seroso, sadio conserva por muito tempo sem
coagulação, o sangue derramado em seu interior. Isto é um fato
experimental. Se a uma cobaia de laboratório, me disse meu amigo
René Bernard, médico dos hospitais de Paris, da qual se está retirando
sangue em um ventrículo por meio de uma agulha, a agulha
vier a lhe ferir o coração, por causa de algum movimento intempestivo
do animal, a cobaia morre de hemopericárdio (derramamento
de sangue no pericárdio ) . Na autópsia, mesmo que seja
feita horas depois, sempre se encontra sangue líquido.
Coincide isto com uma observação que encontrei por acaso
nos "Arquivos de Medicina Legal" (dez. de 1 93 6 ) , ao lado de
uma bela comunicação do Dr. Belot, sõbre o Santo Sudário de
Turim: O Dr. Bardou (de Tunis) , ao fazer a autópsia (portanto
mais de 24 horas após a morte) de um homem morto por contusão
do torax, encontrou a ponta do coração rebentada e o pericárdio
distendido pelo sangue perfeitamente líquido.
O lançaço foi dado muito pouco tempo após a morte, menos
de duas horas, diz Stroud, e estamos de acôrdo. É, portanto, cerlQ
que não poderia sair do assim chamado "hemopericárdio por rupta.
ra cardiaca", a não ser sangue líquido, não sérum e coágulos.
b) Já, há muito tempo, foi aventada outra hipótese, como
dissemos, num panfleto tão odioso quão absurdo que, infelizmente
assinado por um médico, se intitulava "A Lou<;ura de Jesus" e
queria demonstrar que Nosso Senhor era, ao mesmo tempo, um
alienado e um tuberculoso. A água seria, portanto, serosidade de
pleurisia tuberculosa. Não darei a seu autor a honra nem o reclame
póstumo de o nomear.
Esta idéia de pleurisia ambulatória foi recentemente sustentada
pelo Dr. René Morlot, veterano da anatomia patológica, mas,
desta vez, com todo o respeito e com todo o amor como convém
a um cristão convicto. Aceita êle, aliás, tôdas as outras minhas
conclusões, como a saída do sangue por uma chaga da auricula
direita. Não "me perdoaria se deixasse de argui-lo com tôda sinceridade
e com tôda simpatia; ambos buscamos a verdade.
Parece admitir, de acôrdo com S. João, que tenha saído do
lado, primeiro sangue e depois água. Mas nada disto se encontra
no Evangelho que diz simplesmente: "E logo saiu sangue e água.
- Kai exelthen euthus aima kai udôr", o que indica a simultaneidade.
Quando muito se poderia traduzir : " . sangue e também
água".
Por outro lado, mesmo sem recorrer à Santa Mortalha nem à
tradição, parece certo que a lança feriu pela frente (a cruz protegia
as costas) : bastante alto para atingir o coração; à direita,
para abrir a aurícula direita, única cavidade do coração que poderia
fornecer sangue (uma vez que a aurícula esquerda é profunda
e fora do alcance) .
Ora, um derramamento pleural se acumula inicialmente na
parte posterior da pleura, que desce muito baixo, diante da décima
primeira costela. O fundo de saco pleural, remonta dali em rápido
declive, para frente e para o alto, para atingir a base do pericãrd10 .
É, portanto, necessária considerável quantidade de líquido pleural,
para que seu nível ultrapasse a chaga suposta pelo ferimento cardíaco.
Esta quantidade é pouco compatível com a vida ativa levada
por Jesus durante suas últimas semanas.
Antes, pelo contrário, nada nos Evangelhos permite supor, e
muito menos sugere a um médico, nem de longe, que Jesus tenha
tido em sua vida pública (onde abundam os detalhes) uma enfermidade
qualquer. Depois de trinta anos de trabalho manual, levou
uma vida itinerante de pregações, muito dura e às vêzes extenuante.
Sofreu a fome, a sêde, a fadiga, o calor, nenhum vestígio de doença.
Podemos supô-lo robusto, de boa constituição, e faço, aqui, completa
abstração do Santo Sudário que nô-Lo mostra um homem
de 1 ,80 m, apresentando esplêndida anatomia .
O D r . Morlot áiz, com tôda á exatidão, que para a Igreja Católica
o corpo de Jesus não era impassível. Mas, as decisões conciliares
citadas a êste respeito (Éfeso, 43 1 ; Florença, 1438 ) são Unicamente
opostas às heresias monofisitas segundo as quais o corpo
de Jesus não passava de uma aparência incapaz de sofrer.
S. Tomás de Aquino para quem apela ( III, Q. XIV) diz ela
ramente que Jesus assumiu (voluntàriamente, não por nascimento,
pois que estava isento do pecado original) a natureza humana com
seu "defectus corporis", i . e . suas deficiências corporais. Mas, pela
enumeração destas, aparece sua intenção : a fome, a sêde, a morte
e outras coisas análogas. Não toca em enfermidades. :ll: verdade
que as teria podido aceitar nelas consentindo, mas a maioria dos
teólogos católicos professam que não o fêz devido a razões de conveniência
. Em todo o caso, o certo é que não há vestígios de enfermidades
no Evangelho. Notemos de resto que para a natureza humana,
a enfermidade é uma possibilidade e não uma necessidade inelutável.
Ao contrário, um traumatismo, um golpe acarretará sempre
lesões .
Todos êstes argumentos me parecem dever eliminar a hipótese
de uma pleurisia tuberculosa e nos reconduzir a minhas experiências
e ao hidropericárdio.
Sim! S. João era bem clarividente. O que viu foi, sem dúvida,
o sangue da aurícula e a água do pericárdio. Eu também os vi .
Et verum est testim.onium meum.

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