A Paixão de Cristo
Segundo o cirurgião CAPÍTULO 30

0 CRUCIFIXO DE VILLANDRE E O CRUCIFICADO DA

ESCOLA PRATICA
Resultado de imagem para jesus crucificado


Fiquei satisfeitissimo depois de ter submetido minhas pesquisas
à apreciação de meus confrades da Sociedade de S. Lucas, por
ter recebido sua aprovação unânime que vem reforçar minhas
conclusões. 'fenho o mais profundo respeito por tôdas as autoridades,
sem contar minha absoluta submissão à autoridade de minha
Mãe, a Santa Igreja. Mas assim como não pediria uma precisão
anatómica a um teólogo ou a um paleógrafo, tão pouco iria solicitar
a um medico uma defini􀐡o dogmática ou explicação de exegese
ou de história. Na verdade a colaboração me parece indispensável
falando cada um do que sabe. Ora, sábios ex􀐢getas me afi.rmaram
L]Ue nada, em minhas conclusões, contrariava as determinações
contidas nas Sagradas Escrituras e que, antes pelo contrário, as
desenvolvem maravilhosamEnte. Restringindo-me estritamente a
meus domínios, posso portanto dar-me por saüs.ieito, 8em querer
por isso impor minhas opiniões como defimtivas, o que seria
bem pouco científico.
Entre os anatomistas que me encorajaram, devo nomear um,
cuja aprovação me foi particularmente agradável, é meu caro
amigo, o Dr. Charles Villandre, cirurgião do Hospital de S. J osé.
Como fôsse, verdadeiramente, mestre em escultura como o era
em cirurgia, pedi-lhe para modelar, segundo minhas indicações
precisas, o Crucifixo cujM fotografias publicamos aqui. Para quem
as tiver estudado ou melhor para quem já tiver contemplado o
m·:fSinal, não terei necessidade de acrescentar que nessa escultura
não 1>omente colocou tôda sua ciência anatõmica e todo o sc>u
talento de artista, mas também e muito simplesmente tôda sua fé.
Espero firmemente que seu Crucifixo continue a se difundir entre
os fiéis. Porque me parece que, ao cingir-se ao que cre-mos ser
a realidade histórica, atingiu êle uma profundidade de emoção
religiosa, que a imaginação dos artistas deixada a si mesma não
foi jamais capaz de executar (figs. 18 e 19, Librairie du Carmel,
27, Rue Madame, Paris, Vl0 ) .
Seu Crucificado morto bem que representa a síntese das
pesquisas expostas neste trabalho, pelo que lhe quero manifestar
agora minh& mui afetuosa gratidão. Partiu em 1 943, para se reunir
a seu modêlo na casa do Pai. Rezemos por êle.
Peço vênias e desculpas para apresentar, em contraste, dua.:.
fotografias que a meu ver, são horríveis e quase blasfematórias.
Não foram, bem o sei, anatomistas que me pediram esta última
151
confirmação de minhas pesquisas, confirm ação de bem pouca importfulcia
a meu ver. Somente pelas negações obstinadas de certos-<
não-anatomistas que, de resto conheciam muito lllal o Santo Sudário
é que fomos forçados a tal exibição macabra: "Um corpo não pode
estar suspensos por só três cravos; os dois pés não podem estar crucificados
um sôbre o outro, de cheio, com o mesmo cravo." O·
Crucilixo de Villandre já há mêses estava modelado e fundidono
bronze.
Tomei então no depósito do Anfiteatro de Anatomia, um
trapo humano, fresco e perfeitamente macio, emprestado por meu
velho amigo e antigo colega o Professor Hovelacque. Agradeço-lhe,.
vivamente, pois tôdas suas aprovações a minhas pesquisa􀅝 anatômicas
têm para mim, e para todos, um valor especial.
Não havia ali naquele dia a não ser cadáveres de mulheres
e escolhi a menos feia. Seu leve pêso não me fazia dificuldade
pois não se tratava de prova de resistência, já executada em braços
vivos (cap. V) mas sim de simples verificação de angulações.
Hovclacque fizera preparar, sem me advertir, uma cruz leve
de tábuas que, para maior · solidez, coloquei sôbre uma padiola de·
rodas, que se podia bascular. O cadáver foi deitado sôbre a cruz.
em presença do Dr. Villandre que foi quem tirou as fotografias.
aqui reproduzidas.
Tinha eu 3 cravos quadrados de 8 mm ae lado. Os dois braços.
foram bem estendidos em ângulos de 90°. Em cada mão, no lugar
conveniente, u,ma. úniea martelada fêz passar o cravo através docarpo
fixando-o na madeira. Em seguida os dois pés foram pregados
com as plantas estendidas diretamente na madeira, o esquerdo
diante do direito, dobrando um pouco os ,joelhos; uma
martelada para atravessar o pé esquerdo estendido sôbre a madeira;
o pé esquerdo, assim perfurado, foi colocado sôbre o direito ·
uma segunda martelada fêz o cravo atravessar o pé direito é
fixou-o na madeira. O único trabalho um pouco mais penoso, fácll
porém com nossas delgadas tábuas, seria o de perfurar um buraco
nos iugares marcados por suas "pontas, para que os cravos aí se
fixassem sem grande dificuldade. O tempo anatômic() da crucifixão.
durou apenas alguns segundos.
Ao erguermos a cruz verticalmente verificamos que o corpo.
abateu e se colocou, por si mesmo, com as angulações exatas que
descrevi e que Villandre modelara, muito tempo antes desta última.
experiência de confirmação.
Todo o pêso do corpo estava sustentado pelos cravos das.
mãos e se podia puxar com tôda a fôrça o cadáver do alto para.
baixo, sem que as mãos sofressem qualquer abalo. Podia-se inclinar
um pouco a cruz para a frente, saindo da vertical sem que
o corpo dela se descolasse. O cravo dos pés parecia servir Unicamente
para impedir que o corpo se destacasse da cruz e que flutuasse
na frente. A saspeosão é extremamente sólida, muito mais.
do que o pediria o pêso do corpo. E o corpo estava suspenso por
tão sõmente três cravos, sem nenhum outro artifício, nem suporte
perineal, nem supedâneo sob os pés.

Os polegares, bem entendido, não estão em oposição, mas em
uma outra posição qualquer, nervos e músculos estavam mortos,
ao passo que estavam vivos nos braços recentemente amputados
das outras experiências, como nos de Jesus.
Não se tratava, ainda o repito, de uma prova de resistência
das mãos à cravação e à tração. Podia portanto sem prejuízo algum,
aos olhos da critica imparcial, servir-me de um cadáver de dissecação,
fresco e macio como aquêle. Seu pêso não mais tinha importância.
Para nós anatomistas, esta experiência não tinha senão .uma
importância muito secundária e a fazíamos com tôda aquela segurança
de quem já sabe os resultados a esperar. Desculpei-me ao
pé dêsse pobre corpo recitando por sua alma um bom De Profundis.
O verdadeiro interêsse para nós era confirmar, experimentalmente,
as angulações dos braços e dos joelhos a que me conduziu
o estudo teórico, e nisso tive satisfação completa: a experiência
dava exatamente os mesmos ângulos que a teoria. Da
mesma maneira, a cabeça se inclinou por si mesma diretamente.
para a frente e não para o lado; deverfamos esperar isso mesmo
dada a simetria dos músculos do pescoço. :t, portanto, assim que
devemos entender o "Et incllnato capite, emisit Spiritum".
CONCLUSõES
Ao chegar o leitor ao fim dêste estudo, nada mais tenho a lhe
oferecer senão a narrativa cruel dos sofrimentos fisicos da Paixão,
tal qual como a contemplava eu com um ôlho cirúrgico. O leitor
ao chegar aqui deve ter, assim o espero, a impressão de uma construção
sólida, homogênea e que não deixa sombra de dúvida sôbre
sua veracidade. Disto estou certo, por antecipação, se porém se
tr'itar de um l-eitor que sabe ler, porque receio muito pouco, por
minha natural concisão, os esmiuçaaores de frases; não tenho Inquietações
a não ser por essas pessoas sempre apressadas, que
pulam do bonde às carreiras, sobem as escadas de quatro em
quatro e galopam por um livro com botas de 7 léguas. A êstes
diria eu: relêde com vagar ou abandonai a questão! Uma vista
de conjunto sôbre semelhante problema não se pode adquirir senão
por um exame minucioso dos detalhes.
Vimos que neste exame as experiências anatômicas, as considerações
fisiológicas, as pesquisas arqueológicas e filológicas, -
me conduziram, pelo menos em aparência, para muito longe do
Santo Sudário de Turim, do qual me propusera a verificação, mas
isto não era senão para voltar a êle melhor armado. É que na
verdade, e desde os primeiros tempos, o que dominava meu pensamento
era a reconstituição da Paixão de Nosso Senhor em seus
menores detalhes, era o escrutar em suas circunstâncias físicas
êste drama essencial da redenção que domina nossa existência
terrestre efêmera e regra definitivamente nossa vida eterna.
Cheguei assim a esquecer muitas vêzes o objeto primitivo de
minhas pesquisas. Minha busca fervente não conservava mais que
um objetivo : Jesus morreu por mim; como pois morreu :l!:le?
Questão profundamente desconcertante, compreende-se, para um
cristão ao mesmo tempo cirurgião.
Para falar com franqueza, a autenticidade do Santo Sudário
não tinha para mim desde o inicio senão uma importância bem
secundária; ter-se-i a cometido grave êrro quer enfileirando-me
entre seus partidãrios apaixonados como entre seus adversãrios
encarniçados. Ainda hoje minha posição continua também imparcial
porque, assim como o dizia S . S . o Papa Pio XI, existe em
'\lolta dêste pano sagrado bom número de mistérios. E estou
longe de ter a certeza de que os sábios do porvir (não digo a
Ciência, ignorando quem seja esta senhora) cheguem um dia a
elucidá-los completamente.
Penso, atualmente ter-se tornado um absurdo e ser uma pretensão
cientificamente insustentável, afirmar que estas impressões
são obra de um falsário. Creio firmemente que êste Sudário encerrou
o cadáver de Jesus e Sua divindade. Nisso creio como creio
na gravitação universal e na gravidade. Nisso creio como se crê- '
uma verdade científica, porque quadra com todos os nossos conhecimentos
atuais. Estou portanto pronto, completamente pronto,
como se o deve estar em matéria de ciências, a abandonar ou a
modificar em seus detalhes esta crença, se novos fatos indubitáveis
vierem razoàvelmente a isso me constranger. Somente Deus conhece
verdades absolutas, ou para melhor dizer, a Verdade; 1!:le e aquêlcs
a quem Lhe agradou revelar parcelas dela.
Quanto ao Santo Sudário, recebi-o inicialmente com uma atitude
cética, mas seus dizeres se me revelaram sempre sinceros e
verídicos, mesmo quando eram, à primeira vista, um pouco difíceis
de compreender. Assim pois fui tomado, pouco a pouco, por ele
de wna ternura tôda particular, como uma excelente testemunha
cuja cândida astúcia ou obscuridade podem por um momento vos
desconcertar, mas da qual se tem tôda a certeza de que é uma testemunha
da mais profunda honestidade.
Ouvi a mesma ternura espontãneamente manifestada por um
homem, a quem suas disciplinas históricas faziam antes pender
para a inautenticidade, e a quem a leitura atenta das imagens
emocionara, a ponto de o fazer crer, ser hoje em dia, impossível a
hipótese de uma falsidade no Santo Sudário. Isto não o cegava
mais do que a mim, sôbre a dificuldade nada pequena de provar
cientificamente a autenticidade.
Peço pois vênia, &o terminar esta exposição objetiva, para
apresentar de algum modo um balanço de nossos conhecimentos
atuais.
Sabemos, sem sombra de dúvida, que as impressões do Santo
Sudário não foram feitas por mão de homem, mas que se constituíram
espontaneamente. - Não sabemos absolutamente, por ciência
certa, eomo nem mesmo quando se produziram e se manifestaram,
pelo menos no que concerne às impressões corporais.
Quanto às imagens sangufneas, mesmo prescindindo de qualquer
confirmação ffsico-quimica eventual e desejável, creio poder
afirmar, desde agora, que são elas a reprodução por contacto direto,
i . e . o decalque dos coágulos sanguíneos formados naturalmente
sôbre a superfície cutânea do Crucificado.
Já estudamos tudo isto suficientemente nos detalhes de modo
que seria inútil tornar a insistir. Desejaria simplesmente resumir
os fatos que mais me impressionaram como exigindo imperiosamente
a autenticidade do Santo Sudário. Uns são de ordem geral,
e, sobretudo, impressões fotográficas; outros são anátomo-fisiol6-
gicos. Compreende-se que êstes últimos me haveriam de tocar mais
especialmente, no ponto sensível. E, o que me parece mais importante,
tenho o dever d e os colocar ainda mais claramente em
relêvo, em beneficio dos não especialistas.
Os primeiros, fotográficos, se resumem fAcilmente. As impressões
fotográficas têm todos os caracteres de um perfeito negativo
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fotográfico. Ora, a própria noção de negativo era desconhecida e
mesmo inconcebível no século XIV. Até pintores modernos, tendo
à sua disposição os conhecimentos da arte fotográfica, não conse '
guiram fazer uma cópia exata do Santo Sudário. Quanto à tola
hipótese da inversão de um positivo originário em negativo, não
resiste ao exame.
Não há o menor traço de pintura nem sequer nas fotografias
obtidas em grandes ampliações diretas; tôda a gama dos claroescuros
é obtida por simples coloraç§o individual dos fios de linho.
Uma pintura, por seu lado se revela incapaz de obter gradações
de semelhante fineza. Somente a natureza as pode produzir, como
por exemplo no fenômeno fotográfico. Que se leiam, para ulteriores
detalhes, as conclusões de Enrie, no capitulo I (E, 2.0 ) .
Acrescentemos que o corpo e , sobretudo, a face d o Santo
Sudário têm um caráter impessoal, sem relação alguma com qualquer
estilo pictórico. E, na realidade, nenhuma pintura do século
XIV, nem sequer de longe, os lembra nem se aproxima de
.sua perfeição.
Neste ponto de vista, artístico, muito aconselho consultar-se
o belo trabalho de Vignon ( "Le Saint Suaire", Paris, ed. Masson,
1938) , sôbre a provável autoria da Santa Face do Sudário, nos
pintores antigos, sobretudo bizantinos. Existe ali u'a mina de
documentos muito sugestivos que explorou, depois de Vignon,
Cechelli, de Roma.
Por fim lembremos que o cadávei· do Santo Sudário, está
completamente nu. Pintor algum jamais ousou representá-lo
assim. E, com muito mais razão, um falsário não teria tido a
.audácia de o fazer sôbre u'a mortalha que ia apresentar à veneração
pública dos fiéis.
Vejamos agora as imagens sanguíneas. Notemos que parecem
elas, em sua maior parte, anormais, estranhas, diferentes da iconografia
tradicional, que contrariam, na maioria dos casos. Ora, a
experimentação me provou que são tôdas elas estritamente conformes
à. realidade. É o costume artístico, fruto (de resto legítimo)
da imaginação, que está sempre no êrro. Um falsário teria naturalmente
obedecido a esta tradição e teria tomado muito cuidado
em não inovar de maneira tão perigosa para o bom re5Ultado da
fraude. Passemos ràpidamente em revista estas anomalias revolucionárias.
As chagas da flagelação têm um realismo, uma abundância,
uma tal conformidade aos dados arqueológicos, que ficam em
notável contraste com as pobres imaginações dos pintores de todos
os tempos .
As hemorra«ias da corôa de espinhos e os coágulos por elas
formados são de uma veracidade inimaginável. Relêde a descrição
de um dêstes coágulos frontais no capitulo IV, D .
O transporte da cruz deixou vestígios perfeitamente conformes
à observação que tive ocasião de fazer iD. vivo. Quem jamais
nisso pensou, senão um ou outro mfstico? - E qual artista jamais
imaginou aquelas chagas contusas da face e aquela fratura da
cartilagem dorsal do nariz?
157
A mão está perfurada na altura do carpa, única região ondeo
cravo poderia sustentar sàlidamente o pêso do corpo. Antes do
conhecimento do Santo Sudário, estava o cravo sempre localizado
na palma.
O polegar está em oposição na palma. E a experiência veio
provar que não poderia ficar estendido.
Um pintor teria naturalmente mostrado as quatro chagas: dos
dois pés e das duas mãos, mas só se vêm duas no Santo Sudário.
O sangue escorreu do carpa segundo a vertical. E, descoberta
de gênio para um falsário, há dois fluxos afastando-se em ângulo
agudo; o que é indispensável quando se conhecem as alternativas
ae soerguimento e de abatimento na luta contra a tetania asfixiante.
A chaga do coração está colocada no lado direito. É de resto·
a representação mais freqüente, ainda bem que corresponde à
realidade! Mas, nem a tradição sabia o por que e muito menos o ·
suposto falsário; nem que u m golpe n o lado esquerdo, nos ventrículos,
não teria podido dar o sangue que está contido na aurícula
somente. Mas, sobretudo, estavam êles bem impregnados desta falsa
idéia de que não há sangue líquido num cadáver. Era então wn
milagre? Na verdade, bem grande milagre para justificar aquêle
grande coágulo anterior.
Por que também aquela hemorragia haveria de deixar um
coágulo irregular, recortado em ame.as? O falsário, tão perit'l
(como sagaz anatomista ) teria também pensado nas digitações do
músculo grande-denteado?
Teria também previsto, ao pintar a hemorragia transversal
posterior, que em posição horizontal o sangue, acumulado na pleura,
iria refluir pela chaga do coração e escorrer transversalmente pelas
costas, durante o transporte ao tíunulo? Não foi recompensado
por tantos esforços de imaginação, porque em 1 598, Mons. Paleotto
interpretou esta imagem estranha, como o vestígio de uma corrente
que teria esfolado aquêles pobres rins!
Mas, prossigam'ls. Por que teria afastado o cotovelo direito
mais que o esquerdo alongando, ao mesmo tempo, o braço e antebraço
direitos? Seria verdadeiramente para que se pudesse explicar o contacto do Sudário com a éhaga do coração que estava
retirada?
Em todo o caso, êste pintor deve ter visto morrer crucificados,
por asfixia tetânica, em inspiração forçada, para nos dar uma ima.
􀄓em tão impressionante : aquêle torax super-estendido com seus
1 -eitorais contraídos e salientes ; aquelas bordas das costelas sobrelevadas
ao extremo; aquela cavidade epigástrica cavada pela elevação
das costelas, e não como o supõE: Hynek, por contração do
diafrágma ( músculo inspirador, o diafrágma deveria soerguer O ·
epigastria, mas não pôde aqui vencer esta depressão violenta por
causa da dilatação do torax) ; aquela saliência do baixo ventre,.
que recalcam as vísceras comprimidas precisamente pelo diafrágma
contraido. Pintura admirável onde não há o menor deslize.
Deixemos de lado os detalhes minuciosos dos dois fiuxos sucessivC\s
na planta do pé direito, wn em direção aos dedos outro·
em direção ao calcanhar.
Nem discutamos se o pintor teria querido nos apresentar por
meio de alguns detalhes a morte por tetania, com incurvação anterior
em "emprostótono" e tantas outras minúcias cujo catálogo
incompleto vos entrego para que o termineis.
Todos êstes detalhes precisos e confinnados pela experiência
como verídicos, já os estudamos um por um. Não são portanto
"traços muito incertos" de que falam os adversãrios da autenticidade,
sôbre os quais "evitamos deliberadamente nos deter". Não
há pior cego do que aquêle que não quer ver!
Concluamos portanto que o suposto falsário, tão perfeito anatomista
e fisiologista quanto excepcional artista, qualquer que seja
a época em que se o queira fazer viver, é manifestamente, um
gênio, df' envergadura tal, que teria sido necessário que fôsse
verdadeiramente feito de encomenda!
Voltemos agora à formação das imagens sanguíneas. Creio
ter demonstrado um certo número de fatos.
É impossível obter imagens tão belas, de bordos tão nítidos
como as do Sudário, com qualquer liquido colorante, ainda que
:Côsse sangue liquido.
Não há Iio Sudário quase que nenhuma imagem de fluxos
sanguíneos, como a representam os pintores. Por outro lado, não
se pode pensar que o cadáver, esvaziado durante o transporte para
o túmulo, pudesse ainda emitir quantidades notáveis de sangue
no Sudário.
Tôdas as imagens sanguíneas são portanto decalques de coágulos
frescos ou amolecidos pelo vapor de água, que emana natutalmente
do cadáver, durante muito tempo.
As reproduções dos coágulos são de um natural e de uma
verdade surpreendentes, até em seus menores detalhes. Não são
executáveis a não ser pela natureza que, os tendo formado sôbre
a pele, decalcou-os no tecido. São perfeitas reproduções de coágulos
naturais. Artista algum teria podido imaginá-los em tôdas suas
minúcias, antes de recuar perante as diliculdades insuperáveis da
execução.
Estêve portanto, neste Sudário, um cadáver de crucificado.
Teria sido um outro diferente de Jesus ? Verdadeiramente tropeça·
mos aqui com a inverossimilhança e não perderemos tempo nisso.
A maioria dos crucificados devia ter é verdade, quase todos êstes
estigmas (inclusive a flagelação regulamentar e , em certos casos,
o lançaço ) . Mas, êste foi retirado de sua mortalha ao cabo de mui
curto tempo : o pouco que já conhecemos sôbre as impressões.
nos prova que uma exposição muito prolongada, ou pelo menos a
putrefação, teria diluído e velado estas impressões negativas. -
Além disto, por causa de qual outro crucificado teriam conservado
tão piedosamente sua mortalha?
E ainda mais, qual foi o crucificado que sob o pretexto irônico
de realeza foi coroado de espinhos? A história só nos cita um:
O dos Evangelhos.
Por fim, deixar-vos-ei contemplar com vagar esta Face admi
rável, onde, sob a máscara semita, transparece a Divin dade. -
Dir-me-eis, depois, qual o artista capaz de pintar uma outra que
se lhe aproxime, com aquêle caráter super-humano.
Aliás é bem possível, que a tradição certa dêste tipo de Cristo
entre os artistas remonte a cópias antigas, mais ou menos bem
interpretadas do próprio Santo Sudário, como o tentou demonstrar
Vignon .
Na verdade, êste Homem bem que é o Filho de Deus.
Eis pois o resultado de minhas pesquisas, anatômicas e outras,
sôbre as chagas de Jesus. Espero ter dado a impressão, de acôrdo
com a realidade, que as empreendi com tôda indepen dência de
P.spirito, com a máxima objetividade científica. Comecei-as com
certo cepticismo, pelo menos com uma dúvida cartesiana, para
verificar as imagens do Santo Sudário; pronto para rejeitar-lhes
a autenticidade se não quadrassem com a verdade anatômica.
Mas, muito pelo contrário, à medida que apareciam os fatos,
vinham êstes se agrupar em um feixe de provas cada vez mais
convincentes. Não somente as imagens se explicavam por um natural
e uma simplicidade que já · lhes consagrava a veracidade, mas,
quando apareciam, à primeira vista, anormais, a experiência vinha
demonstrar que eram como o deviam ser, que não podiam ser diferentes
nem tais como um falsário as teria feito seguindo as
tradições iconográficas correntes. A anatomia dava, portanto, seu
testemunho em favor da autenticidade, de pleno acôrdo com os
textos evan gélicos.
Possuímos pois o Sudário de Jesus Cristo com a imagem de
seu corpo e os vestigios de seu san gue. É a relíquia mais insigne
que existe no mundo, uma r􀄂lfquia do corpo de Nosso Senhor.
Para quem sabe lê-la e para quem é capaz de refletir, é a mais
bela, a mais emocionante das meditações da Paixão. Perante esta
imagem de Nosso· Salvador, ainda enfeitada com as flores da
Redenção, ainda tôda impregnada do Sangue Divino versado por
nossos pecados, podemos verdadeiramente dizer, como após a
comunhão: "tua vulnera considero, illud prae oculis habens quod
iam in ore ponebat tuo David propheta de te, o bone Jesu: Foderunt
manus meas et pedes meos, dinumeraverunt omnia ossa mea. -
Considero tuas chagas, tendo diante dos olhos o que já colocava
em tua bôca o profeta Davi, de ti, ó bom Jesus: Perfuraram-me
as mãos e os pés, contaram todos meus ossos."

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