A Paixão de Cristo
Segundo o cirurgião CAPÍTULO 23

 CHAGAS DOS Pés
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Vimos que a localização das chagas das mãos comporta não

pequenas dificuldades. A questão dos pés é incomparàvelmente mais
simples e mais fácil de resolver (fig. 13 ) .
Vê-se logo na imagem posterior do Sudário, que os dois p&
estão cruzados. O direito marcou uma impressão total, à qual voltaremos
em breve. Do esquerdo vê-se o calcanhar e a parte média;
mas se introduz obliquamente por trás do direito (portanto, na
cruz, estava na frente) cruzando seu bordo interno e sua parte anterior
não é visível.


É evidente que teremos que olhar de perto e estudar düerentes

fotografias e compará-las antes de ir aos detalhes; mas o fato do
cruzamento está bem evidente desde o início. O que complica as
imagens são os fluxos de sangue que se espalham sôbre quase todo
comprimento dos dois pés, para frente e para trás dos orüícios
dos cravos, e ultrapassam as impressões. Parece certo que o sangue
que deslizara em direção aos dedos sôbre a cruz, continuou a
escorrer, mas, durante o transporte ao túmulo, em direção dos
calcanhares, pela posição horizontal em que era levado o corpo.
Uma parte formou, na metade posterior da sola dos pés, coágulos
que Iicaram decalcados. Mas uma parte deve ter continuado a escorrer
até mesmo na Mortalha, por fora do calcanhar. Além disto
o tecido se dobrara em pregas longitudinais, de sorte que certos
coágulos frescos e mesmo sangue líquido transudou sôbre a face
oposta da prega.
Verüica-se, com efeito, para os dois pés, imagens simétricas
e inversas, das quais uma está completamente fora da impressão
plantar e que não pode se explicar a não ser pelo mecanismo da
prega.
Tendo deslindado estas imagens um tanto complexas, voltemos
ao fato de que mesmo no sepulcro, os pés ficaram parcialmente
cruzados. Dado o que sabemos sôbre a rigidez cagavérica, significa
isto que estavam ainda mais cruzados na cruz, o esquerdo sôbre o
direito, com a sua sola repousando no dorso do direito. Quando
despregados, e o corpo estendido, tenderam pela fôrça da gravidade
a voltar à paralela, mas a rigidez ainda os conservou um tanto
cruzados. Podemos aliás ver perfeitamente tanto na imagem anterior
corno na posterior, que a coxa e o joelho esquerdo estão levados
para frente e para o alto, em relação ao lado direito.
A rigidez cadavérica foi certamente rápida e considerável,
provàvelmente instantânea, em conseqüência das fadigas da agonia de Jesus e suas contrações. Deve ter sido necessar10 um certo esfôrço
para reconduzir os braços da posição de abdução para a d􀌶
adução com cruzamento dos punhos diante do baixo ventre. Mas
para os pés não haveria necessidade de modificar sua posição, pois
que entravam naturalmente no túmulo em sua posição de crucifixão,
cruzados e em hiperextensão.
Esta hiperextensão devida ao fato de terem sido os pés cravados
de cheio sõbre o ramo vertical da cruz, facilitou bastante
a formação da bela impressão plantar do pé direito que, naturalmente,
repousava sôbre o Sudário. Falou-se um tanto levianamente
de deslocação do tornozelo, o que para nós se chama subluxação ou
luxação. Admirei-me mesmo de encontrar isto no livro de Hynek.
- Basta deitar-se alguém sôbre uma prancha, fazer a experiência
in vivo, para dar-se conta. As articulações tibiotársicas e sub-astragálicas
têm movimentos normais bastante extensos para permitir esta
extensão forçada. Basta dobrar muito ligeiramente os joelhos para
que os pés se ponham em contato total com o solo; sem grande dificuldade
e sem dor alguma.
A coisa fica ainda facilitada pelo movimento de varo, que
aproxima a ponta do pé em direção à linha mediana levando o pê
para dentro. 1!:ste movimento se passa na articulação sub-astragaliana
e na mediotãrsica.
Vimos que na posição do abatimento o ângulo anterior do tornozelo
era de 150°. Podemos ainda abri-lo mais, aumentando ao mesmo
tempo o ângulo posterior dos joelhos para cima de 1 20°, o que
o aproxima do solo (ou, no caso do crucificado, do estipite) e correspondente
à posição de soerguimento.
Em tudo istG, supondo um pé de homem bem formado, com articulações
cerradas, não frouxas. Com um pé de mulher poderemos
chegar a extensão maior. As bailarinas, verdadeiras digitigradas, andam
sôbre os dedos com os pés no eixo da perna. Mesmo no homem,
devemos eliminar a hipótese de qualquer entorse ou luxação.
Notemos que êste cruzamento do pé esquerdo sôbre o direito
é oposto ao costume mais usual entre os artistas; na imensa maioria
dos crucifixos, vê-se sempre o pé direito sôbre o esquerdo, quando
estão cruzados. Muitas yêzes, me perguntei a razão desta preferência.
É provável que seja de natureza estética e como conseqüência
do hábito muito freqüente de inclinar a cabeça do crucificado para
a direita. Quiseram dar desta atitude significações simbólicas que,
me parecem bem rebuscadas: Jesus crucificado a noroeste de Jerusalém
e olhando para o sul ( ? ) teria inclinado a cabeça para o
Ocidente, onde se deveria desenvolver a sua Igreja entre os gentios.
desviando-a do Oriente e dos judeus que a haviam rejeitado ( ! ) .
Discutir o fundamento dêstes pretendidos símbolos seria perder tempo
para quem quer se colocar no terreno histórico e não o faremos.
Mas, esteticamente, é certo que esta inclinação da cabeça
para a direita acarreta uma curva em tôda a silhueta do corpo.
que para equilibrar as massas harmoniosamente, deve terminar por
uma flexão da coxa direita que faz adiantar o joelho direito e
coloca como conseqüência, o pé direito sôbre o esquerdo. Já era esta
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a minha impressão e vanos escultores e pintores me expressaram
espontãneamente a mesma idéia, quando lhes propus a questão.
Mas aproveitei da ocasião,. para acrescentar que esta inclinação
da cabeça para a direita, para produzir o "et inclinato capite emisit
spiritum - e tendo inclinado a cabeça entregou o espirito", repousa
em um êrro fisiológico. Enquanto o crucificado estiver vivo, ser-lhe-á
possível inclinar a cabeça para um lado ou outro, desde que esteja
em posição de soerguimento. Se estiver em abatimento, a tetania,afetando igualmente as duas massas musculares do pescoço direita
e esquerda, deve-lhe conservar a cabeça simétrica, levada mais ou
menos para frente ou para trás segundo a predominância dos esternocleido-
mastoideos ou dos trapézios. Após a morte, "inclina to capite",
a mesma igualdade de massa, fixada pela rigidez cadavérica na
posição de tetania, deve apresentar uma cabeça em posição mediana,
simétrica e inclinada para frente, para o esterno, pois os dois esterno-
cleido-mastoídeos são robustos músculos inspiradores, contraídos
na asfixia. Foi a posição que lhe deu, sob minha!i indicações meu
caro amigo o Dr. Villandre em seu belo crucifixo. E bem parece
que é ainda visível no Sudário.
entre os quais se cita Rubens. tiveram conhecimento do Santo Sudário.
Nós o vimos, entre outros, fixar os cravos nos carpos. Talvez
tivessem visto, na Santa Reliquia, que os pés estavam cruzados,
mas como a imagem de todo o corpo está invertida, é em aparência
o pé esquerdo que está atrás do direito. Não pensaram nesta inversão
obrigatória e assim copiaram a posição dos pés sem refletir mais
além. Simples hipóteses. Mas voltemç>s ao estudo das impressõeit.
A imagem do pé direito na impressão posterior é a mais interessante,
porque a mais_ completa. É ainda necessário tomar cuidado
porque, para o lado do calcanhar, está ela muito menos marcada,
de onde a tendência para reconstruir um pé curto demais. A isso
voltaremos a propósito do transporte para o túmulo (capitulo VIII ) .
Comparando fotografias de diversos formatos e de provas de
eôr diferente, pode-se, no entanto, delimitar o bordo posterior do
calcanhar . Feito isto, será possível decalcar a imagem do pé direito
obtendo-St: assim uma imagem plantar muito interessante.
Seu bordo interno é mais suave na parte média, mas apresenta
em todo caso uma concavidade muito nítida correspondente à
arcada plantar.
Para frente, esta imagem se alarga, mais para frente ainda,
distingue-se a impressão dos cinco dedos muito caracterizados: o
grande artelho com seu oval muito grande e longo, muito superior
aos outros quatro, os três seguintes arredondados, o quinto ligeiramente
triangular na base posterior. Em poucas palavras, encontra-
se wna impressão plantar normal, como a que se p9de tomar
numa fõlha de papel esfumaçado, ou que um pé molhado deixa
em uma pedra. A arcada plantar é normal, nem achatada nem
escavada.
Os dedos estão ligeiramente afastados uns dos outros como os
de um pé que jamais usou sapatos e sempre andou descalço ou
quando muito com simples sandálias.
Nesta impressão, estão espalhados em meandros caprichosos
os coágulos dos fluxos de sangue, de coloração carmínea, desenhando-
se sôbre a sépia do pé. Na parte média vê-se uma mancha retangular,
um pouco mais próxima do bordo interno que do bordo
externo da impressão, e os fluxos bem parecem ter aí seu centro.
Alguns vão para os dedos. A maior parte, porém, escorre em
direção ao calcanhar e, como já dissemos, ultrapassa para fora a
imagem do pé, até a prega do Sudário.
Esta imagem quadrangular é seguramente o sinal do cravo,
embora tenha o Pe. Noguier · de Malijay localizado outrora a
crucifixão em direção ao calcanhar, supondo que fôsse através do
urso "por analogia com a da mão no carpo"! Quanto à mão,
estamos de acôrdo se bem que o eminente religioso não tenha
podido localizar, com mais precisão, a região por falta de experiências.
Quanto ao pé, no entanto, isto não se pode sustentar.
Para cravar os dois tarsos um diante do outro, teria· sido necessário
um cravo de mais de 12 em. Por outro lado os ossos e as
articulações do tarso opõem à penetração, sobretudo com os dois
pés cruzados, resistência muito grande.
Por fim, em parte alguma do tarso, se vê imagem que possa
corresponder à penetração do cravo.
Aliás experimentei, em um pé de amputação recente, pregar
o tarso anterior, parte menos espêssa do massiço tarsiano: Pan
um só pé me foram necessárias umas vinte marteladas solidamente
aplicadas para transpor o ôsso massiço, que se quebrou.
Resta-nos, portanto, localizar o orifício da crucifixão. Será
através da medicina operatória e, graças a nosso conceituado mestre,
o professor Farabeuf, que o conseguiremos. Sabemos por
éste que a interlínea de Lis:franc, que separa o tarso dos metatarsos,
está delimitada por uma linha oblíqua para fora e para
trás, cujas extremidades estão situadas no meio do bordo interno
e no meio do bordo externo do pé. Tomemos as medidas, façamos
o desenho e verificaremos que a chaga do cravo se encontra imediatamente
antes da interlfnea de Lis:franc (fig. 14) .
Por outro lado está no eixo do espaço que separa o 2.0 do 3.0
dedo, sabemos que pela largura maior do 1 .0 metatarsiano, êste
eixo separa mais ou menos a largura do pé em duas partes iguais.
Podt:mos pois concluir, com bastante precisão, que o cravo
passou na parte posterior do segundo espaço intermetatarsiano. Fiz
a experiência. A passagem é fácil, o cravo não encontra senão
partes moles, afastando o 2.0 e 3.0 metatarso. No dorso, a artéria
pediosa mergulhou na parte posterior do primeiro espaço. Na
nlanta do pé, o cravo pôde evitar a arcada pl!llltar profunda que
cruza a base dos metatarsos. De qualquer modo a hemorragia não
é mortal e o sangue, sangue venoso, devia escorrer sobretudo depois
da retirada do cravo, o que explica estas grandes hemorragias em
dJ.reção ao calcanhar, que passou a ficar em declive inferior pelo
decúbito dorsal . (fig. 13).
Experimente o leitor em um cadáver, ou em si mesmo deitando-
se de costas, cruze os pés, o esquerdo sôbre o direito e
dar-se-á conta de tudo o que aconteceu. Bastará para isso dobrar
os joelhos, a flexão não tem necessidade de ser muito acentuada,
uns trinta graus bastam, partindo da extensão ( 150° ) . Os pés
estendidos em equinismo, isto é com as pontas alongadas, podem
mesmo repousar de cheio sem que de forma alguma seja necessário
o artüício de uma consola oblíqua, o supedâneo imaginário.
Sendo pois inútil êste artifício que além disto, complicava a crucifixão
é mais provável que os carrascos o dispensassem.
Estando os pés assim cruzados no cadáver, experimente perfurá-
los juntos, com um furador ou um prego ; será, naturalmente,
na parte posterior do 2.0 espaço que será levado a picar. Ainda
uma vez, notemos, os car.rnscos conheciam seu ofício. Acima do
cravo se encontrava tôda massa dos dois tarsos; que constituía
suporte robusto, pelo qual o crucüicado podia se apoiar sôbre o
cravo tôdas as vêzes que quisesse se soerguer para aliviar a tração
sôbre as mãos e diminuir as caimbras. A espessura a atravessar
não era considerável e a maior parte do cravo penetrava na
madeira. O cravo atravessava fàcilmente as partes moles sem
resistencia. Por fim, a hemorragia era de pouca importância e
permitia a prolongação do suplício.
Ainda não nos utilizamos, em todo êste estudo, da imagem
anterior do Santo Sudário (figs. 2 e 3 ) . É simplesmente por ser
ela muito menos instrutiva. Mas, ao examiná-la, veremos nitidamente
os dois joelhos, no nível da borda superior das peças de
pano costuradas pelas Clarissas. As rótulas estão visíveis e a esquerda
está nitidamente mais para a frente que a direita. Seguemse
as pernas, mas, em sua parte inferior, se esmaecem cada vez
mais, de sorte que a região dos tornozelos é extremamente difícil
de ler. Parece que o Sudário se afasta desta região e passa, em
ponte, da parte média das pernas à ponta dos pés.
Entretanto, no dorso dos pés, há uma grande imagem sanguinea
de forma trapedoizal irregular, prolongando-se, em baixo,
por uma cauda, do lado esquerdo. Tem sido ela diversamente interpretada.
Vignon a coloca no dorso do pé esquerdo e nela vê
mesmo a chaga do cravo. Mas, tal não me parece. - Se se compara
a porção pouco visível do dorso dos pés com a imagem das
plantas, vê-se claramente que os pés, muito cruzados sôbre a cruz,
se afastaram de sua posição, continuando, no entanto, cruzados,
de sorte que o pé esquerdo não mais cobre o dorso do pé direito
a não ser em sua parte anterior, perto das pontas. O dorso do pé
direito em tôda sua parte posterior deve, portanto, se ver mais
ou menos na impressão anterior. - Ora, esta mancha de sangue
está certamente no eixo da perna direita.
Se se determina, por construção anatõmica, - em relação com
a largura da coxa e a posição das rótulas ou em relação a um ser
vivo, de porte conveniente, como o fêz Antônio Legrand - a situação
dos tornozelos, parece muito provável que êste coágulo im·
portante se tenha formado durante a permanência na cruz, saindo
da1 duas chagas: plantar esquerda e dorsal direita, unidas pelo
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prego.A pressão do pé esquerdo espalhou sôbre o dorso do pé
direito o sangue que continuava a escorrer pelo rêgo entre os
dois pés. Arrancado o prego, e os dois pés ligeiramente afastados,
êste coágulo dorsal do pé direito aparecia todo inteiro. A forma
trapezoidal dêste coãgulo se prolonga, em ponta, em direção aos
dedos do pé direito pelo sangue coagulado no rêgo entre os dois
pés. Quanto ao furo do cravo apontado por Vignon, não o vejo.
Ainda uma vez, tudo isto continua um tanto hipotético. A
fraca intensidade das impressões toma sua interpretação difícil e
requer construções anatômicas à distância. Em todo o caso, o que
se pode dai tirar não faz senão confirmar as conclusões das imagens
plantares.
Conclusão: um só prego atravessava a parte alta (região pro.Dm
al) dos segundos espaços intermetatarsianos, estando os dois
pés cruzados, o esquerdo na frente e o direito aplicado diretamente
8Õbre o lenho. Parece que se pode encontrar uma imagem simétrica
do cravo, na impressão posterior do pé esquerdo, muito
menos nítida que a do direito. Não sendo visível a parte anterior,
a marcação não é tão precisa, mas em relação ao calcanhar, bem
que se parece situar no mesmo nível, longitudinal e transversalmente.
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