A Paixão de Cristo
Segundo o cirurgião CAPÍTULO 17

CAUSAS DA MORTE RAPIDA
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CAUSAS PREPARATóRIAS
Após a morte de Jesus, e a lançada que lhe atingiu o coração,


"José de Arimatéia . . . apresentou-se intrepidamente (audacter)
diante de Pilatos e lhe pediu o corpo de Jesus. Ora, Pilatos admirou-
se de que 􀉜le já estivesse morto (Pilatus autem mirabatur s i
jam obiisset - o d e Pilatos ethaumasen ei ede tethniken) e tendo
chamado o centurião, perguntou-lhe se já estava morto. E tendo
recebido a resposta do centurião, concedeu o corpo a José" (Marcos,
1 5 , 42 s. ) .
Jesus, com efeito, não tivera senão cêrca de três horas de agonia
o que é, realmente, muito pouco para um crucificado. Os ladrões
sobreviveram a 􀙽le e só vieram a morrer logo depois porque, ao
lhes quebrarem as pernas, aceleraram-lhes a asfixia. Tinham os
judeus pedido isto a Pilatos por quererem enterrar os três corpos antes
do anoitecer. A lei judaica mandava que os crucificados fôssem
retirados da cruz e sepultados no mesmo dia. A isto acrescia que
era véspera do sábado, e, mais ainda, véspera da grande festa de
Páscoa. Era a "paraskeue".
Os crucificados tinham, em geral, uma agonia hem mais longa ,
pelo menos, em determinadas c ircunstâncias, como veremos em
breve. Não era raro, segundo Orígenes, vê-los sobreviver tôda a
noite e o dia seguinte. Um texto árabe afirma que, em 1247, em
Damasco, um crucificado durou até o 3.0 dia da crucifixão. Outras
sobrevivências mais longas ainda, são citadas mas com menor garantia
de veracidade.
Chegou mesmo a acontecer que se despregassem crucifiéados
que sobreviveram. Cita-se o caso de um magistrado de Dario (Heródoto)
e o de um Chereas ( Chariton) ( 1 ) . Mas o exemplo contado
por Flávio José é o mais interessante. Durante o cêrco de Jerusalém,
no ano 70, três
·
de seus amigos caíram prisioneiros dos Romanos,
durante sua ausência e foram crucificados. Ao voltar, de tarde, a o
campo romano, recorreu imediatamente a Tito de quem obteve
graça para seus amigos que foram logo despregados de suas cruzes.
Dois não puderam ser restituídos à vida pelos médicos, mas o
terceiro conseguiu sobreviv􀙾r. Ora, os dois primeiros tinham sido
pregados ao passo que o sobrevivente fôra apenas amarrado. Vêse
portanto, que uma v ariação da modalidade da crucifixão podia
( I ) Romancista grego d o 􀾂éculo V .
acarretar- a morte com maior ou menor rapidez. Os amarrados,
dizia Flávio José, agonizavam mais lentamente e podiam ser t·eanimados
com mais facilidade.
Todos os outros autores que falaram dêste suplício são unânimes
em fazer da cruz o mais terrível e o mais cruel de todos o;;
suplícios: "crudclissimum et teterrimum supplicium" escreveu Cícero.
Nenhum dêles, no entanto, apresenta razões, quando muito
acrescentam que os tormentos se prolongavam por muito tempo.
Por que então sucumbiu Jesus tão mais depressa que a média dos
condenados? É o que vamos agora determinar.
Evidentemente, tôda uma série de circunstâncias, das quais
algumas foram invocadas como causa da morte, vieram se acumular
para diminuir sua resistência física. E nós bem o sabemos pela
€Xperiência fisiológica, que choques dolorosos, em série, não se
somam mas, em certa medida, se multiplicam. (Uma série de excitações
abaixa o limiar da reação ) .
moral espantosa, produzida pela previsão de Sua Paixão física e
pela consciência de todos os pecados dos homens, que aceitava
sôbre Si para remi-los. f:le próprio dissera a seus apóstolos: "Minha
alma es1 á triste até à morte", expressão semita para designar uma
"tristeza mortal". Esta grave perturbação pode acarretar um fenômeno
conhecido em medicina, do qual S. Lucas, como médico, dá
uma descrição perfeitamente clínica e surpreendente em sua brevidade.
O fenômeno, aliás raro, é provocado por um grande abalo
moral, seguido de profunda emoção e de grande mêdo. Descreve
S. Lucas, no Getsêmani, a luta da Humanidade de Jesus perante o
cálice de sofrimento que se apresenta a f:le e a aceitação dêste
cáEce : "Pai, que a tua vontade seja feita e não a minha" (Lc. 22, 42 ! .
Acrescenta Marcos: "Coepit pavere et taedere - Começou a sentir
pavor e angústia" (Me. 14, 33 ) .
Depois continua Lucas: "Et. factus in agonia, prolixius orabat.
Et factus est sudor eius sicut guttae sanguinis decurrentis in terram
(segundo a Vulgata) - e entrando em agonia, rezava com mais
instância. E o suor tornou-se como que gôtas de sangue caindo até
o solo" (Lc. 22, 24 ) . O texto grego, porém, diz com mais exatidão:
"Egéneto ho hidrós autou hosei thromboi haímatos katabaínontes
epi ten gen". Ora, thrombos quer dizer "coágulo". Notemos que
sempre êstes coágulos de sangue têm atrapalhado bastante os tradutores;
coágulos, dizem êles com tôda a razão, não podem sair do
corpo. E assim passam a torturar as palavras por não terem compreendido
o fenômeno fisiológico. Melhor ainda fizeram alguns
manuscritos antigos que suprimiram esta passagem como indigna
da Divindade de Jesus Cristo. O Padre Lagrange, genial exegeta,
mas não médico, traduziu : "como glóbulos de sangue, que corriam
até o solo" ( Comme des globules de sang, qui coulaient jusqu'à terre ) .
Ora, o fenômeno que em linguagem técnica chamamos "hematidrose",
consiste em intensa vaso-dilatação dos capilares sub-cutftneos.
Distendidos ao extremo, rompem-se em contacto com milhões
de glândulas sudoríparas espalhadas por tôda a pele. Essa mesma vaso-dilatação provoca intensa secreção das glândulas sudoriparas.
O sangue se mistura com o suor, e esta mescla poreja por tôda a
superfície do corpo. Mas, uma vez em contacto com o ar, o sangue
se coagula. Os coágulos assim formados sôbre a pele caem por terra
levados pelu abundante suor. Pôde então escrever S. Lucas, como
bom médico e bom observador: "E seu suor tornou-se como que
coágulos (não gôtas) de sangue que caiam até o solo".
Dêste fenômeno podemos tirar logo duas conseqüências. A
primeira é ter havido considerável diminuição da resistência vital
após esta hemorragia, que é grave, dada a extenção da superfície
em que se produz. Depois, assinalaremos como segunda conseqüência,
o estado anormal em que ficou a pele por ter sangrado na
intimidade de suas glândulas sudoríparas, em tôda a superfície
uo corpo. Ficou assim mais sensível, dolorida e, portanto, menos
apta a suportar as violências e os golpes que iriam atingi-la na
noite e no dia seguintE, até culminar com a flagelação e crucifixão.
Esta sensibilização da pele que é, de resto, um fenômeno puramente
fisiológico nos faz refletir sôbre outro fato que domina tôda
a Paixão; não devemos perdê-lo de vista uma vez que pode trazer
sua contribuição para explicar, humanamente falando, a brevidade
da agonia. Os homens não têm todos a mesma resistência nem as
mesmas defesas diante da dôr física. Para nós médicos é cousa de
experiência quotidiana que um enfêrmo um tanto rude é menos
sensível à dôr que outro mais apurado e culto. E note-se, não é
isto somente uma reação psíquica, porque vêem-se, pelo contrário,
operários de vontade débil suportar com dificuldade um sofrimento
a que não estão acostumados. :E, vice-versa, organismos fisicamente
apurados, os suportam com grande paciência e a êles resistem
melhor no conjunto, sob a influência de uma alma mais forte e
de sentimentos elevados. Parece portanto que há, realmente, uma
correlação entre o apuramento do sistema nervoso sensitivo e a
intensidade do sofrimento, mesmo físico, independentemente das
reações puramente psíquicas.
Ora, devemos admitir que em Jesus, a união de Sua natureza
divina à Sua natureza humana desenvolvera ao máximo esta sensibilidade
física. Por outro lado, Nosso Senhor tendo assumido esta
natureza humana, tinha a firme vontade de lhe suportar as conseqüências
dolorosas em tôda sua extensão. ·
Na mesma série de causas de enfraquecimento, devemos enumerar
também as sevícias suportadas durante a noite, sobretudo
entre os dois interrogatórios, durante os quais foi ru.e a prêsa e o
escárnio de uma turba infame de criados do templo, "êstes cães
sanguinários", como os chama S. João Crisóstomo. Ainda devemos
acrescentar os golpes recebidos no pretório, após a flagelação e a
coroação de espinhos ; tapas, sôcos e mesmo pauladas porque a
palavra "rapísmata" que S. Jerônimo traduz por "alapas" ( = tapas) ,
significa também e, fundamentalmente, " golpes desferidos com um
bastão ou pedaço de pau".
A prova de que êste é o sentido óbvio de "rapisma" se deduz
da comparação entre S. João e S. Mateus, no momento da flage-!ação.
Ambos narram que após a coroação de espinhos, dobravam
os soldados o joelho diante d'􀉜le e diziam: "Ave! ó rei dos judeus!"
e acrescenta S. João: "Kai edídosan auto rapísmata - et dabant ei
alapas - e davam-Lhe tapas ( = pauladas ) " . Mas S. Mateus é mais
explícito: "Kai élabon ton kálamon kai etapton eis ten kephalen
autou - et acceperunt arundinem et percutiebant caput eius -
e tomaram o caniço ( um pau) e batiam-Lhe na cabeça".
Encontramos o vestígio dessas sevícias na Santa Mortalha, em
uma grande contusão da face direita e uma fratura da borda cartilaginosa
do nariz. Mas tôdas estas pancadas, desferidas principalmente
sôbre a cabeça podiam ter produzido, também um abalo.
talvez grave, aquilo que chamamos de comoção ou mesmo contusão
cerebral que se caracteriza pela ruptura mais ou menos extensa de
pequenos vasos nas meninges e cérebro.
As hemorragias também enfraqueceram considerável e progressivamente
a resistência vital. Já falamos do suor de sangue.
Mas pelos tramautismos que vamos encontrar no Santo Sudário,
foi sobretudo a selvagem flagelação e a coroação de espinhos suportada
no pretório de Pilatos, no "Lithróstotos", que devem ter
provocado a perda de sangue mais grave. Os açoites, armados de
bolas de chumbo ou olisos, como vimos, cobriram o corpo de chagas
que sangraram por bastante tempo, uma vez que podemos encontrar
seus vestígios sangrentos na Mortalha, sôbre a qual se decalcaram
umas seis horás mais tarde. Deixemos por ora .de lado as
chagas do transporte da cruz, porque as estudaremos, mais tarde,
detalhadamente. Quanto à crucifixão em si, não ocasionou em Jesus
senão uma perda relativamente muito pequena de sangue.
Mas tôdas listas hemorragias, causas certas de um enfraquecimento
tal que foi necessário fazer Simão carregar a cruz para que
:tle chegasse ao Calvário, não ·são suficientes para provocar a
morte, nem mesmo para explicar completamente a relativa brevidade
de sua agonia.
Falou-se da fome. Nada comera, com efeito, desde a Ceia de
quinta-feira Santa até à morte. Mas não se morre de fome em
vinte horas. É mesmo. pouco provável que até as longas agonias
sôbre a cruz chegassem a matar pela fome, como pretende Eusébio.
Teve sêde, e uma s􀙿de violenta, como todos os crucificados.
Esta sêde era ocasionada primeiro pela perda de sangue, depois
pelos suores abundantes que acompanham, como o veremos, a
suspensão pelas mãos e as caimbras assim provocadas. Mas isto
não pode ainda ser uma causa de morte.
Falou-se de insolação ; mas os crucificados morriam também
à sombra e em todos os tempos, de dia e de noite.
Suportou, é verdade, um dos sofrimentos mais atrozes que
se possa imaginar, o provocado pelo ferimento de um grande
tronco nervoso, como os medianos. A dôr produzida por tal ferimento
é seguida de queda brusca da tensão arterial, mesmo sob
anestesia geral e nós, cirurgiões, contraímos o hábito de injetar,
nestes troncos, novocaína antes de os cortar. Acarreta êste ferimento,
muitas vêzes, a perda dos sentidos. Mas nada no Evangelho.

nos leva a supor que Jesus tivesse permitido se aproveitar desta
s íncope natural para interromper a dôr ; e os cravos continuavam
a comprimir êstes nervos feridos, sempre que se esforçava :l!:le
por falar ou respirar. Aliás estas síncopes não são mortais.
Alguns autores inglêses, o Dr. Stroud em part.icular, propuseram
a hipótese de ruptura do coração que viria explicar,
segundo êle, a saída de sangue e água (coágulos e sé rum! ) por
ocasião do lançaço. Examinaremos e refutaremos esta última h i pó .
tese, no fim do capítulo VII. Não se encontra ru􀊐tura cardíaca
a não ser em órgão enfêrmo, portador de infartus ou de degenerescência
amilóide. Não temos motivo algum para supor um
tal estado patológico do coração de Jesus ; a saída de coágulos e
de sôro, como o veremos, é absolutamente impossível nesta hipótese.
Mas não passará tudo isto de imaginação pseudomística, aliás
muito bela : o coração de Jesus que se romperia num excesso de
amor pelos homens. Cientificamente não se pode sustentar tal
coisa.
O hidropericárdio ( derramamento seroso na parte exterior do
coração) existia, certamente, e nós o estudaremos ao examinarmos
a chaga do coração (cap. VII ) . É bem possível, como o sustenta
Judica, que seja êle devido a uma pericardite traumática,
de desenvolvimento rápido, em conseqüência dos violentos traumatismos
sofridos pelo torax, especialmente, durante a flagelação.
Acarreta dôres terríveis e grande angústia, mas não se pode conceber
que tenha provocado a morte ráp􀊑da
Em seu artigo sôbre " 0 suplício da Cruz" ( na revista "L'Evangile
dans la Vie" de abril de 1 9 2 5 ) , o Dr . Le Bec propôs a
hipótese sustentada depois com firmeza pelo Dr. Louis, na "Revue
de la Passion" (nov. de 1 936) de que a deglutição de um
pouco dágua podia provocar síncope mortal em um crucificado .
Citava então o caso do assassino de Kléber que, empalado, morreu
desta maneira. "Apenas bebeu êle, soltou um grito e expirou".
Tenta, evidentemente, aproximar êste fato da esponja embebida
em vinagre que foi oferecida a Jesus. Todos os exegetas modernos
pensam que êste vinagre era a "posca", bebida usual dos legionários,
feita de água com um pouco de vinagre e ovos batidos.
Devia haver ali, para os guardas, uma ânfora cheia.
Segundo Marcos e Mateus, tem-se a impressão de que Jesus
tenha expirado após ter recebido esta bebida. Mas a frase seguinte
que, de resto não acarreta absolutamente nenhuma relação de
causa e efeito, diz simplesmente: "Ora, Jesus, tendo dado um
grande grito, expirou" (Marcos) . - "Ora, Jesus, tendo de novo
clamado com voz forte, entregou o espírito" (Mateus) . Nenhum
dos dois nos diz, no entanto, se êste grito era uma palavra articulada
ou simples som emitido à maneira de exclamação. Mas
João é mais explicito. Notemos, primeiro que é S. João o único
a registrar a palavra de Jesus : "Tenho sêde" e a explicar o gesto
de um dos assistentes que Lhe oferece de beber. Acrescenta o
evangelista S. João: "Jesus tendo recebido o vinagre, disse : Está
tudo acabado. E inclinando a cabeça, ·entregou a alma .". Logo, falou depois de ter bebido, (se é que bebeu) o que não se coaduna
com a síncope brutal do empalado.
Lucas omite o episódio da esponja. Confesso que um tal silêncio
me parece bem estranho num médico como êste, excelente
observador e tão ávido de informações que solicita de todos o.>
lados (como, aliás, adverte em .seu prólogo " . . d epois de hav\;!r
diligentemente investigado 1 udo desde o princípio" ) . Leu êstes
detalhes em Marcos e talvez mesmo em Mateus, e, no entanto, os
negligenciou! A assim chamada síncope por deglutição, teria sido
bem conhecida pelos antigos, como o afirma Le Bec? Não cita
as fontes, de minha parte nada encontrei. Como então explicar
que um médico como Lucas renha negligenciado fato tão importante,
que seria nada menos do que a causa da morte e explicaria
a incomum brevidade da agonia? Constituiria isto falta imperdoável
para um jovem estudante e esquecimento bem singular em tão
perito clínico, qual era o nosso Santo Confrade.
Ora, descreve êle a obscuridade, o véu do Templo que se
rasgou de alto a baixo e depois continua: "E clamando com voz
forte (como S. Mateus, mas eis aqui a palavra) disse: "Meu Deus,
em vossas mãos entrego meu espírito" . E dizendo estas palavras,
expirou ( exepneusen, o termo medicai) . Não! decididamente a
hipótese da deglutição mortal não me satisfaz de forma alguma.

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