A Paixão de Cristo
Segundo o cirurgião
Capítulo 14

Estava Jesus nu sôbre a cruz?

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Antes de tudo, é bem
evidente, que, antes de O crucificarem, tiraram-Lhe as vestimentas,
uma vez que os soldados as dividiram entre si e tiraram a sorte
de sua túnica (João, 19, 23 ) . Trata-se pois de saber se conservou
algum pano em volta dos rins. De acôrdo com o citado estudo
do Padre Hol:tmeister, foram os Padres unânimes em afirmar
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esta nudez. Mas baseiam, geralmente, sua opm1ao em razões de
simbolismo tiradas do Antigo Testamento (por exemplo, Adão
estava nu quando pecou, Jesus estava nu quando nos resgatou)
ou se contentam em se referir ao "costume romano" sem nenhuma

outra tradição histórica especial para Jesus (4) .
A esta opinião pode-se opôr um texto apócrüo tirado dos "Atos
de Pilatos", segundo o qual, depois de Lhe terem tirado as vestimentas,
Lhe teriam restituído um "lention", palavra grega que
quer dizer "pano", uma espécie de tanga ( ? ) .
Seria d e admirar que os romanos que O haviam tornado a
.·estir, após a flagelação, para que carregasse a cruz, mesmo contrariando
seus próprios costumes a fim de condescender com as
idéias judaicas de decência e respeitar as tradições nacionais, não
Lhe tenham deixado sôbre a cruz pelo menos êste último resto
de indumentária.
O c ostume judaico, escreve o Padre Lagrange (In Evang
􀊏elon S. Marc) , era o seguinte: "Chegado à distância de 4 côvados,
despe-se o condenado e, se fôr um homem, dever-se-á cobri-lo
pela frente; se fôr mulher dever-se-á cobri-la pela frente e pelas
costas" ( Sanh. VI, trad. Schwob) .
Tôda a questão, n o entanto, fica prejudicada pelo "costume
romano". Deveria o crucificado, entre êles, ficar nu? É o que afirma
Artemídoro ( Ornirocriticon ) , segundo D. Leclerc ; "Gymnoi
gar staurountai". Mas, o que signüica êste "gymnos" - "nu" ?
Todos os antigos levavam por debaixo das vestes, quaisquer que .
fôssem, o que chamavam de "subligaculum". Era uma espécie de
calção, formado por uma faixa de pano que se enrolava em volta
dos rins e das coxas e que se usava permanentemente.
S. Marcos conta no cap. 14, 51 que após a prisão de Jesus
um jovem - muito provàvelmente êle mesmo - seguia o cortejo
não tendo senão seu "sindon" ( = lençol? ) sôbre o corpo nu. O
"sindon", vê-lo-emos mais tarde, era uma comprida i;>eça de pano
com que se envolvia o corpo por debaixo da túnica e que se conservava
como roupa noturna. Marcos estava dormindo no Jardim
das Oliveiras, despira, portanto, sua túnica, mas, está claro, conservara
seu "subligaculum" por debaixo do "sindon". Ora, quando N. do Trad. : Pràpri8.11lfJilte, não há unanimidade por pane dos S. Padres
mas, como diz o já citado Padre Holzmeister, "unanim..i .fere consensu ita
loquuntur" i. e. "com uma concórdia quase unâcime, assim falaan" (o grifo é
nosso) . Quase unanimidade quer dizer que não houve unanimidade, embora pouco
fahasse para ela. Passa em seguida, o Padre Holzmeister, a explicar por qu-a
êsses testemunhos, aliás numerosos, em favor da nudez, não têm valor quanto ao
fato em si, uma vez que não citam o fato iaolad01 mas o referem em atenção a
alguma comparação, como o paralelo feito com Adão, com Noé, com o Sol, etc.
(cf, pág. 260 s.) . Em outras palavras, baseados no costume romano admitiram o
fato sem investigação, usando-o para comparações que se prestavam a ilustrar
outras doutrinas. No caso, como 􀃘temunho indíireto, per transena, tem muito
UJenol! valor.
os guardas o quiseram pegar, abandonou-lhes o "sindon" e "gymnos
ephygen - fugiu nu". Parece, portanto, que esta nudez não compreendia
o "subligaculum".
Peço licença para apresentar paralelamente a êste texto uma
história análoga dos "Fioretti". O costume ainda era o mesmo no
século XIII. S. Francisco para punir Fr. Rufino que se recusara ,
devido à sua incapacidade, a pregar na cidade, ordenou-lhe que
fôsse a Assis e ai pregasse completamente nu. Ora, o titulo dêste
capítulo 29 traz "ignudo nato - nu como quando nasceu". No
entanto, o texto explica, pela bôca de S. lí'rancisco, "ignudo, solo
co i pani di gam\;la - nu, não tendo senão seu calção". Dir-me-ão
que já era outra época. Certamente, mas temos aqui o mesmo
costume e, provàvelmente, a mesma concepção da palavra nu.
A questão fica duvidosa. Vejamos o que dela pensou a iconografia.
Pode-se dizer que nenhum artista ousou representar esta nudez
de Jesus na cruz. Seria por demais odiosa (vide fig. 1, e o artista
tem sob os olhos a Mortalha em que Jesus está claramente nu) .
D. Leclerc diz que sôbre as pedras esculpidas, de que já falamos,
e que são provàvelmente dos primeiros séculos, o corpo crucificado
está nu. Confesso de que seja difícil de se julgar pelos
desenhos que O representam, em todo o caso, nas primeiras esculturas
importantes que temos (S. Sabina e British Museum) ,
Jesus, e, como :tle, os dois ladrões usam o "subligaculum".
Perpetuou-se tal tradição, desde essa época, nos países orientais.
A maioria dos crucifixos bizantinos (S. Lucas, Dafné, etc.)
são dêste tipo. No Ocidente, pelo contrário, durante tôda a alta
Idade Média, o crucificado está largamente vestido, como no afresco
de "S. Maria Antiqua" (século VIII ) . Um tipo dos mais característicos
é o "Santo Volto" de Lucques, um crucifixo de cedro que
teria sido esculpido por Nicodemos, mas que deve datar, no máxi-'
mo, do século VIII. O corpo está completamente vestido (na madeira)
com uma longa roupa, com mangas, que não deixa a descoberto
senão as mãos e os pés. Aliás encontra-se êsse tipo de
escultura ricamente vestida com roupas de pano. As pernas estão
direitas, e o conjunto evoca muito mais a majestade e o triunfo
que a tortura.
Aliás o "Santo Volto", fêz escola, e podemos encontrar suas
imitações um pouco em tôda a parte no Ocidente. Citemos somente
o célebre "Saint Saulve" ( Salvador) da catedral de Amiens.
É necessário chegarmos à primeira renascença italiana (século
XIII) e à escultura francesa, chamada gótica, para vermos
reaparecer os crucifixos nus, não tendo senão o "subligaculum".
Está geralmente vestido com uma tanga mais ou menos longa c
artisticamente arranjada.
Fato mais curioso ainda vem mostrar até que ponto o nu
completo repugnava aos artistas ; em grande número de cópias antigas
da Mortalha, o pintor acrescentou em volta da bacia "pelvis"
informes calções que nada, no original, permite nem sequer suspeitar.
(A região das nádegas está coberta de chagas da flagelação).
Notai que, por mim, admitiria sem grande dificuldade, que
as impressões da bacia se tenham feito através do "subligaculum''.
As imagens vegetais de Volckringer se formaram através da
fôlha-suporte sôbre a fôlha-envoltório. Os papéis colados sôbre a
planta para a fixar, em nada incomodam a formação das impressões
através delas. Mas o "subligaculum" de Jesus estava seguramente
muito manchado de sangue, de modo que os coágulos teriam
deixado seus decalques.
Tudo isto, devemos confessar, é assunto artístico, preocupação
de estética, de decência, de respeito, misturados ao desejo de
exprimir de maneira bastante real os sofrimentos da Paixão. Após
ter pleiteado, de algum modo, a causa do "subligaculum", náo
posso deixar de retornar à opinião dos Padres, cuja quase unãnimidade
é igualmente impressionante.
Verifiquei os textos citados pelo Padre Holzmeister . Todos
falam de "nudus, nuditas, gymnos, gymnesthai - nu, nudez, nu,
ser desnudado'". S. João Crisóstomo, por exemplo, escreve : "Foi
:S:le conduzido nu à morte - epi to pathos egeto gymnos". "Eistekeigymnos
eis mcso ton ochlon ekeinos - ficou nu no meio
daquela muitidão". Encontrei também um texto de S. Efrém, o
Sírio, (Sermão VI sôbre a Semana Santa, trad. lat. do Padre José
Leclerc ) em que, como Alexandre de Alexandria, diz que o
Sol se escondeu diaP.te da nudez de Jesus. É exagêro seu o referirse
também à Lua, porque quando está cheia não aparece de dia.
Entretanto, escreve êle: "Quia vere nudatus erat llle qui omnia
vestit, astrorum lux obscurata est - A luz dos astros se obscurt:!ceu
porque fôra completamente despido Aquêle que veste tôdas
as cousas". Eis aqui, por fim, uma determinação ainda mais prociosa
de S. João Crisóstomo: fala de Jesus que, antes de subir à
cruz, despojou-se do velho homem, tão fàcilmente, como de suas
vestimentas e, acrescenta: '·Está ungido como os atletas que vão
entrar no estádio" (Homilia sôbre a Epist. aos Colossenses) . Ora
lôda a escultura grega nos mostra êsses atletas completamente nus.
Tôdas as afirmações patristicas não estarão talvez apoiadas
em uma tradição oral para nós perdida? É bem difícil de se responder.
Em todo o caso, repito: j amais artista algum quis fazer um
orucificado inteiramente nu.
Ora, é j ustamente jsto que encontramos no Sudário. Serà
possível que um falsário tivesse tido idéia tão fora do comum q ue
iria chocar violentamente tôdas as nossas tradições artísticas de
decência e de respeito?
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