A Paixão de Cristo
Segundo o cirurgião
Capítulo 11
EXPLICAÇAO DOS EVANGELHOS PELA ARQUEOLOGIA
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A condenação. - Para tal era necessário um motivo que
(:aisse sob a legislação romana. Em Jerusalém, só Pilatos possuia o
"jus gladii" i . e . o direito de vida e de morte, e os judeus, se bem
que amargamente, não o deixaram de confessar. Os motivos de ódio
dos sinedritas não podiam, é claro, ser apresentados perante um
funcionário romano. É por isto que, logo de início, acusam Jesus
de levar o povo à revolta. Mas foi suficiente curta investigação, confirmada
pela indiferença de Herodes, para destruir, no espírito de
Pilatos, êsse pretexto de acusação. Três vêzes repete : "Nada encontrei
nf:le que o faça merecer a morte" ( 3 ) . Alegaram então os
Judeus que se fazia Éle Filho ' de Deus, o que segundo sua própria
lei implicava a pena de morte. Isto porém não comoveu o procurador,
antes pelo contrário o inquietou vagamente em sua alma
supersticiosa. Para um pagão, "filho de Deus"- é sinônimo de "herói".
É evidente que Pilatos fêz todos os esforços para libertar êste homem
manifestamente inocente e que lhe impunha respeito. Não foi senão
após numerosos giros e tentativas que os judeus acabaram finalmente
por encontrar o motivo que forçaria Pilatos a condená-lo:
"Éle se fêz rei e se tu o libertares não és amigo de Cesar". Astúcia
verdadeiramente satânica, porque além de incluir um capítulo de
acusação regular de bastante gravidade, a "rebelião contra Cesar",
veio perturbar fundamente a inquietude egoista de um pobre funcionário
colonial, de não vir a desgostar o govêrno central e mesmo
o temor de vir ser incluído em tentativa subversiva contra o imperador.
Dêsse momento em diante, tôdas as veleidades de benevolência,
todos os cuidados de justiça, já bem de admirar em um
bruto romano (e que lhe mereceram certa indulgência bem apresentada
por S. Agostinho) , tudo se volatilizou perante objeto de
acusação tão grave e singularmente comprometedor para o juiz
que não o admitisse. A partir dêsse momento, a condenação é automática
e a aplicação da lei exige a morte por crucifixão : rebelião
contra Cesar.
O procurador vingar-se-á dos Judeus escrevendo sôbre o "titulus"
: "Jesus de Nazaré, rei dos Judeus", e mantendo a inscrição
apesar de tôdas as reclamações (ho gégrapha, gégrapha - o que
escrevi, está escrito ) , palavras que são a evidente expressão de
seu ressentimento e mau humor.

A flagelação. - Trata-se agora de saber se esta flagelação
foi a que, regularmente, devia preceder tôda execução capital, ou
se a que constituia um suplício à parte. Mateus e Marcos não nos
fornecem elementos para resolver o problema porque escrevem
simplesmente: "Tendo feito flagelar Jesus, entregou-O para ser
crucificado". É um simples enunciado da sucessão dos acontecimentos
e é o que acontecia em tôdas as condenações capitais.
Ao passo que, em S. Lucas, Pilatos repete duas vêzes aos.
Judeus : "Fa-lo-ei, pois, castigar e O soltarei", de onde vemos sua
intenção de infligir a flagelação, como pena em si ; mas não nos
diz ainda o Evangelista que o tenha feito. No entanto, S. João,
sempre mais explícito quando julga conveniente completar, sem contradizer
os Sinópticos, na qualidade de testemunha ocular, nos apresenta
as minúcias do processo. Declarou Pilatos aos judeus que·
Jesus, a quem interrogara pessoalmente, estava inocente; ofereceulhes
libertar Jesus, por ser festa de Páscoa, mas os judeus preferiram
Barrabás. "Então Pilatos tomou Jesus e o fêz flagelar" (João,
1 9 , 1) . Segue-se a flagelação, a coroação de espinhos, a saída do
"Ecce homo", a acusação de se ter feito Filho de Deus. Pila tos,.
inquieto, torna a entrar no pretório para interrogar Jesus sôbre
êste assunto. Quando torna a sair para uma última tentativa, irrompe
a suprema acusação: :l!:le se faz rei, não és amigo de Cesar. Daí
a condenação.
Como se vê, a flagelação precedeu a sentença de morte e mesmo
a maior parte da "actio" do processo, processo bem pouco digno.
mais semelhante a uma conjuração que a uma deliberação judiciária.
Não é, portanto, a flagelação preparatória, legal. Mas, ai! O·
resultado não é diferente.
A coroação de espinhos. - Já falamos sôbre o costume de
submeter o condenado a tôdas as espécies de zombarias e maus
tratos que não dependiam senão da imaginação dos carrascos. Para
Jesus o motivo se impunha: era acusado de se ter feito rei dos
Judeus, acusação esta que logo em seguida iria acarretar sua condenação
à morte. É certo que tal titulo de realeza judaica devia parecer
aos legionários do Império imensa palhaçada e era natural
que lhes acorresse logo a idéia de aproveitar a oportunidade para
fazer dêsse título um cruel carnaval. Daí a corôa de espinhos, a
velha clâmide como manto de púrpura e um caniço a modo de­
cetro.
Filon nos descreve um outro exemplo (in Flaccum) dêste profundo
desprêzo dos Romanos pela realeza judaica: Poucos anos após
a morte de Jesus, estando o rei Agripa de passagem por Alexandria,.
o populacho se apoderou de um pobre coitado, nessa cidade. Aí,
lhe puseram na cabeça um fundo de cesta à maneira de diadema ..
envolveram-no com uma esteira, puseram-lhe na mão um caniço,
deram-lhe guardas pessoais cheios de ironia e cumularam êste rei
de comédia de honrarias ridículas. A palhaçada assim improvisada
tinha a intenção manifesta de ser um insulto à realeza judaic;,·
de Agripa.
Tornaremos a examinar os detalhes da coroação de Jesus, ao.
estudar as chagas que dela resultaram.
Transporte da cruz. - Devemos, antes de tudo, admitir·
com o Padre Lagrange e o Padre Huby que Jesus, condenado
por um Romano ao suplício da cruz "more Romano", só carregou
segundo êsse mesmo costume o patíbulo e não a cruz inteira, como.
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o representa a maior parte dos artistas. Já vimos como a expressão
"carregar a cruz' ', que só se encontra nos textos gregos ou latinos
traduzidos do grego, era exatamente equivalente à expressão romana
"carregar o patíbulo".
Será que êste patíbulo foi amarrado com cordas aos dois braços
estendidos, como era o costume em Roma, ou levou-o Jesus livremente
sôbre uma das espáduas? Uma vez que os Evangelhos
não o dizem formalmente, é difícil logo à primeira vista dar-se uma
resposta categórica .
N o entanto, a expressão d e S. João: bastazôn autô ton stauron
- bajulans sibi crucem - abraçando-se à cruz" dá bem a idéia
que supõe o gesto ativo de empunhar :tle próprio a cruz (João 19, 1 7 ) .
Por outro lado, o episódio d e Simão d e Cirene parece também
vír inclinar a balança para o lado do transporte livre, sem cordas.
De acôrdo com os quatro Evangelistas, Jesus levou pessoalmente
a cruz, pelo menos ao sair do pretório. (João não fala de
Simão de Cirene) . Depois, os soldados percebendo que :tle não
conseguiria, dessa forma, chegar ao Calvário, forçaram segundo
os três Sinópticos, um homem de Cirene a carregar a haste horizontal,
ou patíbulo. Parece isto indicar, sem grande certeza aliás.
que estava ela livre sôbre Seus ombros; quanto a Simão, não
havia razão alguma para o amarrarem, pois era um homem livre,
simplesmente requisitado para êsse serviço. Sõmente S. Lucas é
quem acrescenta que a levava atrás de ( opisthen) Jesus, o que
quer dizer que Jesus caminhava na frente, conduzido pelos soldados
e Simão O seguia carregando sozinho o patíbulo. Estamos
bem longe, é verdade, da iconografia mais comum em que aparece
Jesus carregando imensa cruz, da qual Simão apenas soergue a
extremidade inferior da haste vertical, atrás df:le. Não passa, no
entanto, isto de pura imaginação de artista, não sem beleza nem
intenção mística.
Mais adiante veremos que as chagas cujos sinais ficaram na
Mortalha bem como as manchas da Túnica de Argenteuil não se
explicam a não ser pela fricção da trave resvalando sôbre as costas,
que ia esfolando sempre que Jesus caia sob seu pêso (a menos
que se quisesse admitir o transporte da cruz inteira, coisa absolutamente
inexata ) .
Por fim notaremos que atestam os Evangelhos não ter sido
Jesus submetido ao costume romano segundo o qual, os condenados
caminhavam para o suplício completamente nus. "Despiram-nO
da clâmide de púrpura e Lhe devolveram suas vestes para O conduzir
à crucifixão". Explica-se fàcilmente a exceção pelo hábito
que tinham os Romanos de respeitar os costumes indígenas. Flávio
José escreve (Contra Appionem ) : "Romani subjectos non cogunt
patria jura -transcendere - Os Romanos não forçam (os povos)
submetidos a transgredir as leis pátrias".
Acrescentemos ainda que o amarrarem os braços do condenado
ao patíbulo tinha por finalidade primordial evitar tôda e
qualquer reação violenta dêste, que, como se pode perceber claramente,
estava disposto a tudo, wna vez que já estava conde-
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nado ao suplício máximo. Quanto ao réu especial que era Jesus,
os soldados logo perceberam que ·era perfeitamente inofensivo
quer por sua serena majestade manifestada durante todo o processo,
quer pelo estado de debilidade a que deveria estar reduzido
após o tratamento a que fôra submetido durante, a flagelação.
Para êles o único problema era o de conduzi-lO vivo até o Calvário.
A cruz. - 1) Altura da cruz. - Segundo o Padre Holzmeister,
tratar-se-ia da cruz elevada, "sublimis". Tomarei a liberdade
de não concordar com sua opinião. Seu único argumento
não me parece apodítico, pois conclui que a cruz devia ser bastante
alta para que tivesse necessidade de colocar a esponja embebida
em vinagre (a "posca" envinagrada, bebida comum dos
soldados romanos) na ponta de uma haste para fazê-la chegar aos
lábios do Crucificado.
De acôrdo com o Padre Holzmeister, eliminaremos de inicio
o hissopo que, também na Palestina é um frágil e quebradiço
arbusto, para lermos, com o Padre Lagrange, em vez de "hyssopo",
"hysso" que quer dizer dardo (Marcos e Mateus falam de
um caniço "kalamos", mas notemos que o dardo tem precisamente
êsse aspecto ) . 1:sse "hyssos" i . e . o "pilum" romano tinha três
pés de comprimento, i . e . cêrca de 90 em., inclusive o ferro que
tinha cêrca de um pé. Desta forma a esponja podia ser fàcilmente
erguida a 2,50 metros.
Apesar disto, creio que foi usada a "crux humilis" porque
não havia razão para se fincar um tronco especial, mais alto,
mesmo para se fazer zombaria de um "Rei de Judeus". Não havia
tempo e os pelourinhos usuais já estavam fincados permanentemente
no Gólgota, local habitual das execuções. Além de Jesus,
condenado às pressas, deveriam executar naquele dia dois bandidos,
condenados por julgamento regular. Trata-se pois de exe­
cuções banais e bem regulares.
Imagino pelourinhos de quase dois metros, o que permitia
nêles enganchar fàcilmente o patíbulo. Os pés, com facilidade,
podiam ser pregados sôbre o mourão (dada a flexão das coxas
e pernas que calcularemos, com exatidão), a cêrca de 50 em. do
solo. A bôca quase que não ficava mais baixa que o patíbulo, após
o abaixamento do corpo, e portanto a quase dois metros do chão.
Parece, portanto, mais cômodo, colocar a esponja na ponta de
um dardo para erguê-la a essa altura que fazer o esfôrço de
erguê-la com a mão.
Um outro fato a ser levado em conta nesta questão, do qual
não fala o Padre Holzmeister, é o golpe de lança. É certo
que, anatômicamente falando, o golpe foi dado obliquamente, mas
quase horizontal. Ora, em minha hiP.ótese de dois metros, a chaga
estaria a cêrca de 1,50 metro do solo. Um infante pode, pois, com
facilidade aplicar êste golpe com o simples levantar dos braços.
Com a cruz mais alta, isto seria simplesmente impossível. Ora,
os soldados eram certamente legionários e portante infantes. Eram
comandados por um centurião, oficial de infantaria, que, também
êle, era oficial não-montado. Ora, somente um cavalariano teria
podido desferir o golpe quase na horizontal sôbre um crucificado
mais elevado. Sei que isto vem desfazer as belas cavalgadas, tão
impressionantes de nossos pintores, mas prefiro esta reconstrução
que me parece bem mais conforme à verdade histórica.
Podemos citar ainda o texto de Eusébio, aduzido pelo próprio
Padre Holzmeister no comêço de seu trabalho. Santa Blandina
"fôra exposta (na cruz) como pasto às feras". Trata-se, portanto,
da cruz baixa, ordinária, a das arenas. "E pendente da cruz,
assemelhava-se Aquele que foi para êles mesmos (os mártires )
crucificado". Iria esta semelhança até à s dimensões d a cruz? Não
quero forçar o texto, mas bem me parece que o sugere.
Por fim, há quem tenha querido trazer como argumento a
favor da cruz alta, o verbo "hypsousthai - elevari - ser elevado"
que Jesus se aplica a si mesmo três vêzes, em S. João, aludindo à
sua crucüixão. Na terceira, diz j!Jle: "Quando Eu tiver sido elevado
da Terra, atrairei todos os homens a mim". Mas, é evidente,
que uma cruz das dimensões da que suponho satisfaria também
plenamente ao sentido dêste verbo.

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