A Paixão de Cristo
Segundo o cirurgião
CAPITULO 21
Ficaram no Santo Sudário evidentes sinais de esfoladuras, na
nltura das costas e dos joelhos, como conseqüência do transporte
da cruz.
Respeitável tradição, que se materializou nas 3 estações da
Via-Sacra, afirma que Jesus caiu 3 vêzes sob seu fardo, antes de
chegar ao Calvário. Foi isto que teria levado os soldados a requisitar
Simão de Cirene para carregar o patfbulo em lugar d'1:le.
l:'l"um caminho acidentadó e escabroso, semeado de pedras, as quedas
eram acompanhadas de esfoladuras sobretudo na altura dos joelhos.
Judica, cujo trabalho retomaremos agora, depois de o ter deixado
para os dois precedentes estudos, nos mostra com muita exatidão
as imagens das chagas nos joelhos, sobretudo escoriações de
forma e tamanho diversos, com bordos retalhados, na região da
rótula. Um pouco para cima e para fora, há mais duas dessas chagas
arredondadas de 2 centímetros de diâmetro. O joelho esquerdo mostra
também chagas contusas diversas, menos evidentes e menos
numerosas.
Mas é, principalmente, na imagem dorsal que encontramos os
vestfgios do transporte da cruz. Há ali, sôbre a espádua direita,
na parte externa da região sub-escapulária, uma larga zona de
escoriação, oblíqua para baixo e para dentro, com a forma de um
retângulo de 10 em por 9 em. (Vê-se, de resto, na imagem anterior;
que esta zona se prolonga pela frente, sôbre a região clavicular
externa, por largas placas de escoriação) . A região posterior parece
formada por um acúmulo de escoriações, sobrepostas a numerosas
chagas da flagelação que estão como que esmagadas e alargadas em
relação às do lado. Parece que um corpo pesado, rugoso, mal fixado,
comprimiu esta espádua e que esmagou, reabriu e alargou, através
da túnica, as chagas precedentes da flagelação. (fig. 1 7 ) .
Mais abaixo, porém, à esquerda, vê-se outra zona d e esfoladu·
ras apresentando os mesmos caracteres, na região escapular esquerda.
É arredondada com um diâmetro de 14 em. (Tudo isto
está exato, a não ser que gostaria ainda de precisar um pouco mais:
região sub-escapular e ponta da omoplata esquerda) .
Mas será na interpretação que nos haveremos d e separar (muito
nmigàvelmente ) , Judica e eu. Supõe êle que Jesus levou uma cruz
inteira, patíbulo e haste vertical ajustados um ao outro, e além
disto, em forma de cruz latina (aliás, o T em nada mudaria sua
tese) . A cruz teria sido carregada como se representa habitualmente,
sôbre a espádua direita; com um dos braços horizontais descendo
pela frente do corpo e o outro subindo por trás da cabeça. A parte
vertical desce obliquamente por trás do corpo em direção aos pés.
Supõe êle uma cruz de cêrca de 2,80 m (o que deve perfazer uns
125 quilos! )
A chaga da espádua direita seria produzida pela fricção do
ângulo destas duas peças (horizontal e vertical) , ângulo reto no
qual se encaixaria a espádua e pelas arestas destas duas madeiras.
Quanto à chaga esquerda, teria sido produzida no momento das
quedas: o ramo transversal posterior bateria sôbre as costas do
homem caído por terra e viria naturalmente ferir a omoplata esquerda.
Também aqui, penso exatamente como Judica; foi nessas
quedas que a madeira feriu a parte esquerda das costas.
Mas creio também que a interpretação destas duas chagas deve
ser um pouco diferente da sua. Já estudamos bastante longamente,
no capitulo li, a forma da cruz, as modalidades da crucifixão e o
lugar do "titulus", tudo de acórdo com os arqueólogos e exegetas
modernos, fornecemos bastantes provas textuais e documentárias
para sermos categóricos. Já está b€:m averiguado, hoje, que a cruz
consistia de duas peças de madeira separadas e que, mesmo no caso
da cruz latina (no que absolutamente não creio ) , o condenado só
levava o patíbulo até o local do suplício, onde o aguardava o pelourinho
estável: era tudo o que podia :tle fazer e o que, no entanto,
não pôde executar até o fim!! Recordarei ainda a frase de Plauto
na Carbonária: "Que carregue seu patíbulo pela cidade e que seja
pregado à cruz"? Jesus carregou-o livremente.
Meu amigo Judica desculpar-me-á se, no prefácio, entre as
qualidades que me parecem ter destinado ao estudo da Paixão ( ! )
tenha-me esquecido de um a : aos 1 9 anos, em 1903, fui sapador no
5.0 de Engenharia, regimento de estradas de ferro onde carreguei
muitos dormentes. Falo portanto com conhecimento de causa. Por
serem pesados, são êsses dormentes carregados ao ombro por dois
homens, mas aparecem às vêzes, fanfarrões que se gloriam de transportá-
los sozinhos. Tambem eu, várias vêzes, carreguei sozinho
barrotes menos pesados e sei como isso se faz.
A trave deve ser posta em eQuilíbrio sôbre a espádua direita
(ou esquerda para os canhotos) . Logo se reconhece de que espécie
é um homem pela bochecha tisnada pelo alcatrão destinado a proteger
as traves contra a umidade. Não devem ser carregadas exatamente
pelo meio, é necessário que fique a parte de trás um pou::o
mais comprida que a da frente o que dá ao barrote uma posição
um tanto oblíqua, inclinada para trás. Isto porque a mão direita
se apoia em cima da metade anterior para impedir que se erga.
Se a viga estivesse exatamente horizontal, a menor pressão seria
suficiente para desequilibrá-la e cairia ela para a frente, sem que
nada pudesse detê-la.
Por outro lado, como vai sustentada na frente pela mão direita,
esta mão, por um movimento natural, conduz para fora, para a direita,
a extremidade anterior, enquanto que a posterior se obliqúa
atrãs em direção à linha média. Todos êstes detalhes têm sua importância,
especialmente nos casos de queda para frente. Pude
então, fazer mais algumas observações sôbre as conseqüências dessas
quedas porque (na qualidade de esudante de medicina) era também
enfermeiro da guarda no Polígono onde se faziam os exercícios de
trabalho.
O homem que tropeça em uma pedra por não ter levantado
bastante o pé, cai geralmente sôbre os joelhos. Se não fôr canhoto
cai p:cimeiro sôbre o direito (Judica o diz corretamente) , esfola as
calças e a pele que lhe está por baixo. Em seguida se estende e
larga o barrote para se amparar com as mãos.
Ora, a viga já estava oblíqua para trás e para a esquerda .
Balança assim levantando-se na frente e escorrega obliquamente
sõbre as costas, abatendo-se sôbre o carregador. Segue-se que, depois
de ter esfolado a região escapular direita, faz outro tanto para
a esquerda, mas um pouco mais abaixo, perto da ponta da omoplata
esquerda arranhando, de passagem, a espinha dorsal, prosseguindo
com suas esfoladuras até à parte posterior da crista ilíaca esquerda.
Em poucas palavras, semeia ela os rasgões na roupa e as escoriações
cutâneas em tôdas as saliências ósseas que apanha a tiracolo,
da espádua direita à região sacro-ilíaca esquerda e, às vêzes
mesmo, até o sacro.
Estas esfoladuras não são contusões por choques. São escoriações
por violenta fricção de uma massa dura e pesada sôbre as partt!s
salientes e resistentes. O que esfola é a rude fricção da viga que
escorrega sôbre as costas até que toque o chão.
Não explica então, perfeitamente, as chagas contusas da Mortalha,
esta experiência vivida? Note-se, além disto, que a região subescapular
esquerda já podia ter começado a se escoriar antes da
queda, porque estava inclinada para a frente pelo esgotamento físico.
Em conseqüência de sua obliqüidade, já descrita, devia o patíbulo
roçar a omoplata esquerda.
Acrescentamos finalmente que a Túnica de Argenteuil (que
tem seus documentos, ó historiadores! pelo menos desde Carlos
Magno ) apresenta manchas de sangue, nas mesmas regiões. Estas
manchas ressaltam fortemente em negro, nas fotografias feitas com
raios infra-vermelhos, em 1 934, por meu amigo Geraldo Cordonnier,
engenheiro de con strução naval e devoto do Sudário
tfig. 2 4 ) . Judica delas fala aliás, mas segundo Hynek, cuja citação
é um pouco inexata. Eis o que diz Cordonnier ( 2 ) (e tenho
diante dos olhos sua fotografia feita sob raios infra-vermelhos) : 1 .0
- várias manchas médias na metade externa da clavícula, o acrômio
e a região sub-escapular direita. 2.0 - pequenas manchas estendidas
em intervalos regulares nas apófises espinhosas dorsais, a
partir da 7.a cervical ( sempre saliente) . 3 .0 - uma grande · mancha
na parte inferior e na ponta da omoplata esquerda, ultrapassando
um pouco para a direita a linha mediana. 4.0 - um acúmulo importante
na parte posterior da crista iliaca esquerda. 5.0 - mais
para baixo e para dentro um grupo de manchas correspondentes à
região sacra.
Todos êstes dados anatômicos foram obtidos mediante projeção
das manchas da Túnica sObre outra túnica de tela, da mesma dimensão
que foi depois colocada em um homem de lm78 (preliminarmente
fotografara-se a Túnica estendida sôbre papel quadriculado)
Ao olhar a Mortalha, não falamos a não ser das duas chagas
da omoplata esquerda e da espádua direita. Haveria nela também
traços de escoriação na crista ilíaca esquerda, como sôbre a Túnica?
1: possível, mas estariam escondidas pela extremidade esquerda do
fluxo transversal posterior.
Não justifica por acaso, tôda esta descrição a profecia de !salas
( 1 , 6 ) ? "A planta pedis usque ad verticem non est in eo sanitas:
vulnus et livor et plaga tumens ; non est circumligata nec cura ta
medicamine, neque fota oleo. - Da planta do pé até o alto da cabeça
não há nêle nada de são: não há senão ferimentos, sangue e chagas
entumescidas que não foram ligadas, nem limpas, nem ungidas
com óleo"..
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