A Paixão de Cristo
Segundo o cirurgião
Capítulo 12
Forma da· cruz.
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Como teria sido a cruz de Jesus, em

T ou em + ? Parece para o Padre Holzmeister, que os Padres
da Igreja tenham optado pela forma +, mas chegou a esta conclusão
deduzindo-a de certas comparações que fazem com a cruz,
como por exemplo, com Jacó abençoando com os braços estendidos,
Efra
·
im e Manassés. Só há um texto um pouco mais explicito,
o de S. Irineu que conta cinco extremidades (cornua) na cruz,
incluindo naturalmente o "sedile". Em resumo, não encontramos
na Patrologia nenhuma afirmação bastante clara neste sentido.
Antes pelo contrário, D. Leclerc, cita três textos (do PseudoBarnabé,
de Origines e de Tertuliano) nos quais a forma da cruz
em T não admite dúvidas. Tertuliano recorda a passagem de
Ezequiel em que o Senhor lhe ordena marcar a fronte dos homens
de Jerusalém com um tau (êste é o nome do T em grego) acrescentando
ter sido isto uma prefiguração do sinal da cruz que os
cristãos traçam sôbre a fronte.
"Os Evangelhos, escreve o Padre Holzmeister,
cam a forma da cruz. O "titulus" que estava, segundo
"epano tes kephales autou - por sôbre sua cabeça",
que o "stipes" ultrapassasse, em altura, o patíbulo".
não indiS.
Mateus,
não prova
Na verdade, êste texto não suscita düiculdade alguma. O "titulus"
era fixado ao patíbulo do T por um pedaço de madeira e
quatro pregos, como já o executei em bom número de crucüixos ;
podia mesmo ultrapassar uma das faces d o patíbulo e ser pregado
diretamente neste. Encontram-se êstes dois aspectos em vários
pintores (Roger dele Pasture) .
É mesmo muito possível que a projeção do "titulus"' por
cima do patíbulo tenha sido originàriamente da forma das cruzes
gregas e latinas. (Note-se que êstes dois adjetivos não têm, no
59
caso, significação geográfica) . A verdadeira cruz grega, clássica,
apresenta, por cima de patíbulo, erguendo-se por meio do "stipes",
uma segunda barra oblíqua, que representa o "titulus". A extremidade
superior, segundo S. Irineu, seria portanto o "titulus".

Aiiás convém recordar que quando apareceram os primeiros
crucifixos, ainda muito raros em fins do século V (marfim do
' 'British Mweum''), século VI (Porta de S. Sabina, Evangeliário de
Rábula), já há quase dois séculos que a crucifixão havia sido abolida
por Constantino ( 3 1 5 , o mais tardar 3 30 ) , de modo que os
artistas dessa época não haviam jamais visto um crucificado.
S. Agostinho, na aurora do século V, declara que não mais se
crucificava em Roma, há muitíssimo tempo. A forma da cruz foi
portanto escolhida por êsses artistas por motivos que nada tinham
que ver com a realidade: razões estéticas, facilidade de colocar
o "titulw" bem visível, por cima da cabeça de Jesus. As duas
formas serão sempre representadas na arte de tôdas as épocas,
segundo o gõsto dos artistas.
Do século VI ao XII a produção oriental é muito mais importante.
Compreende grande número de pequenos objetos, ampolas
(Bobbio, Monza ) , turíbulos, que levam muitas vêzes a forma
+· Também se encontra esta forma em afrescos como nos de
Santa Maria Antiqua, no Forum (séc. VIII ) . Entretanto, as grandes
composições que se espalharam a partir do século XI, contêm,
muitas vêzes, a forma em T. Assim por exemplo é o que podemos
ver em S. Lucas, em Fócida (na Grécia ) ; na ilha de Dafnide, em
Aquiléia (Itália) e em Santa Maria in Vescovio (Itália ) . Deixo de
lado os crucifixos bizantinos, colocados no meio de grande quadro
cruciforme cujas extremidades e lados se alargam em pequenos
quadros acessórios, como o crucifixo de S. Damião em Assis.
Quando a pintura despertou na Itália, aí pelos séculos XII
e XIII, os primitivos usaram de preferência a fonna +, com Duccio
e Cimabue. Mas já nos séculos XIV e XV o T recomeçou a flox
·escer com Pietro Lorenzetti na igreja inferior de Assis, Giotto
na Arena de Pádua, Fra Angélico na Igreja de S. Marcos em Florença.
Todos três fixam o " titulus" por meio de estreita vara,
sôbre o patíbulo.
Na França, os escultores góticos preferiram a forma +· Mas
o T domina francamente, no século XV, em tõdas as escolas de
pintura sejam elas provençal, borgonhesa, parisiense ou do norte ·
Bréa, Bellechose, Fouquet, preferem geralmente o T. No territó􀅇
rio Valão, o grande Roger dele Pasture só pinta com a forma em T.
Também na Alemanha, Albert Durer prefere o T. O mesmo se
diga de Jerônimo Bosch na Holanda e Memlick no pais de Flandl
·es. No século XVI, alguns artistas ficaram fiéis ao T, como
Quentin Metsys. No século XVII, porém, em todos os países, a
cruz latina prevalece; geralmente muito elevada em composições
pomposas e grandiloqüentes que se afastam cada vez mais da
verdade e da piedade. Pode-se, no entanto, ver ainda alguns T,
em Lebrun ( no Louvre) e em Rembrandt. Nossos artistas modernos
a êle retornam prazenteiramente. Mas voltemos agora às
origens.
Seria realmente interessante saber como os cristãos dos primeiros
séculos imaginavam a cruz. Infelizmente, era esta, em
todo o mundo romano, um objeto . que inspirava horror tal e acarretava
tanta infâmia que ninguém ousava exibi-la, mesmo aos
()lhos dos fiéis. Tôda a catequese apostólica era antes de tudo
uma pregação triunfante da Ressurreição. Os primeiros crucifixos
(V e VI séculos) serão imagens triunfantes de .Jesus Cristo vivo,
colocadas diante da cruz. Somente na Idade Média é que se desenvolveria
a imagem e o culto da Paixão, a idéia mística da
Compaixão.
Encontra-se, no entanto, uma ou outra representação do crucifixo
em gemas gravadas nos primeiros séculos. Em uma delas,
Jesus tem os braços em cruz, mas esta é invisível. Sôbre duas
outras, a cruz aparece em T. Em uma cornalina do "British", .Jesus
Cristo está de pé com os braços estendidos, uma barra transversal
está por detrás d'􀊍le, por cima de suas espáduas e mãos. Tem
.ll:le aí, muito mais o ar de um condenado carregando o patíbulo
à moda romana que de um crucificado. Por fim, o célebre grafita
do Palatino, grosseiro desenho satírico que representa um cristão
adorando um crucificado com cabeça de burro (era esta uma
calúnia ordinária dos pagãos) , mostra nitidamente desenhada, com
simples traços, a cruz em T .
Nas catacumbas, a cruz é extremamente rara . .Já se conheciam
umas vinte, e as excavações quase 􀊎ão aumentaram êsse
numero. São cruzes nuas, sem corpos, feitas com traços análogos
aos das inscrições vizinhas. Quase sempre e constantemente, nos
dois primeiros séculos, a cruz era simbolizada por imagens menos
fáceis de serem compreendidas pelos não iniciados.
É sobretudo a âncora, símbolo da esperança, mas, .Jesus é
nossa maior esperança! Aliás, a âncora está muitas vêzes associada
ao peixe que, geralmente, a cobre. Peixe é em grego
"ichthys", cujas letras são as iniciais das palavras gregas corresp
ondente a : ''Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador" O peixe
deitado por sôbre a âncora, algumas vêzes por sôbre um tridente
é pois excelente imagem do crucifixo. A âncora evoca, por liUa
forma, claramente a cruz em T. Entretanto, só mui tardiamente
·e também raramente, o braço rectilíneo da âncora aparece cortado
por outro transversal que sublima o aspecto crucial e figura
talvez o patíbulo.
A cruz se apresenta sob as duas formas de T e +· A forma
+ se encontra sempre ao lado do nome de um defunto. A forma T
-ae encontra também às vêzes nessas mesmas condições, mas na
maioria tem um lugar muito especial: no meio de um nome, geralmente,
com a mesma largura que as outras letras, mas ultrapassando-
as tanto para o alto como para baixo. Por exemplo, em
.s. Pedro e Marcelino Ad Duos Lauros, lê-se AmNTYcrov
(Dionysioy) . Da mesma maneira, um grafito, descoberto em um
dos 3 hipogeus da Catacumba de S. Sebastião, em Roma, traça
() acróstico do Salvador não IXOYc ( peixe) , mas sim ITxoYc.
Coisa curiosa: encontra-se a mesma disposição, com a letra M,com um traço por cima : M, que todos os arqueólogos admitem
como abreviação de Mártir . Assim VERIC M VNDVS, em Priscilla
( Vericundus) . Estas inscrições do T são antigas, do 11 ou 111
século, como a do M que é do século 11 . Não encontrei entre os
arqueólogos a explicação dêstes T. Seriam também sinal de martírio,
como as pequenas cruzes que têm os mártires na mão no
afresco de S. Maria Antiqua? Será que estariam mesmo a indicar,
quem sabe, um mártir crucificado?
Como se vê os indícios sôbre a cruz de Jesus são bem raros
e bastante imprecisos. Mas também aqui não vejo razão para
que se tenha fabricado para :tle urna cruz especial. A que se
deveria esperar era precisamente urna das cruzes do Gólgota.
Seria portanto, não somente uma de altura média, mas ainda uma
cruz em T, como o eram normalmente as cruzes romanas, segundo
o parecer dos arqueólogos.

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