A Paixão de Cristo Segundo o cirurgião
CAPITULO 7
Impressões corporais. 

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Digamos logo que se sabemos
perfeitamente o que não são estas impressões, não temos, no entanto,
idéias muito precisas sôbre a maneira pela qual se formaram.
Poderemos talvez acrescentar: não sabemos quando apareceram.
Lembra-me isto o conhecimento negativo de Deus, tão
bem exposto por S. Boaventura.
O que elas não são? Uma burla, uma fraude, uma obra produzida
pela mão de homem. - Confesso que tenho dificuldade em
çonceber que ainda se possa contestar isto. Esta piÍltura poderia
ter sido feita, o mais tardar no século XIV, quando reapareceu o Santo Sudário em Lirey. Será necessano repetir mais uma 􀾅
tôdas as impossibilidades que suscita tal hipótese? Contém esta
pintura uma imagem negativa, concepção inimaginável até a relativamente
recente descoberta da fotografia. Nem se objete que o
Santo Sudário tenha sido invertido pelas Clarissas de Chambéry;
a copia de J .. ierre, que é anterior ·ao trabalho destas religiosas, jA
apresenta a chaga do coração à esquerda da Mortalha. j!:ste negativo
é tão düícil que todos os copistas antigos se esforçaram por
reproduzi-lo interpretando-o em imagem positiva, o que desvirtualizava
todos os detalhes. Mesmo os artistas modernos que copiaram
o Santo Sudário com perfeito conhecimento do assunto, como
Reffo e Cussetti, não conseguiram reproduzir as caracteristicas
do verdadeiro Sudário: suas cópias que, de resto, têm grande
semelhança com o original, apresentam em suas chapas, fotográficas
imagens positivas muito düerentes das do Sudário. Deve-se
isto ao 'fato de que aos claros-escuros do Sudário, constituídos negativamente,
são de uma perfeição absoluta; e assim pintor algum
consegue executá-la como o .faz a natureza ou a objetiva fotográfica.
Já o vimos, não há vestigios de pintura nem mesmo sôbre a
fotografia, em grande ampliação direta, feita por Enrie. - Creio
que não será demais insistir para me fazer compreender e para
ressaltar o valor do argumento : não se trata da ampliação de uma
fotografia, mas sim da ampliação e diretamente feita por meio de
um aparelho apropriado que projeta diretamente sôbre a chapa
uma imagem ampliada 7 vêzes em sua superfície como a que projetaria
sôbre o ôlho humano uma lupa de igual poder. - Estas
imagens, como já observou Viale, Diretor Geral dos Museus
Cívicos de Turim, não têm estilu natural; são impessoais. Particularmente,
nenhuma relação têm com algum estilo medieval
francês nem piemontês.
Como ousaria um artista, ao executar um Sudário para veneração
pública, nêle pintar, fato verdadeiramente único, um
Cristo completamente nu? Como se arriscaria a contradizer tôda
a iconografia tradicional, com um cravo no carpo, com o polegar
escondido na palma da mão e que os copistas do Sudário muitas
vêzes restabeleceram, com um Crucüicado que não mostra senão
u'a mão e um pé perfurados e aquêle estranho fluxo sanguineo
posterior? Como teria podido imaginar, sem saber uma única
palavra da fisiologia sanguínea, coágulos tão verídicos e como têlos-
ia conseguido pintar em uma tela não aparelhada? Todos os
artistas, unanimemente, nos pintam fluxos de sangue, nenhum teve
jamais a idéia de pintar coágulos.
Não perderemos muito tempo com a objeção da pintura que,
pouco a pouco, se tivesse transformado de positiva em negativa
por alteração química (ou qualquer outra) das côres, uma vez
que já foi doutamente reduzida a nada por Enrie. As partes mais
escuras da chapa fotográfica não correspondem no Sudário senão
à tela nua; ora, uma côr inexistente não pode se inverter. De resto,
j á contemplei umas vinte vêzes o Cimabue de Assis, que não
tem relação alguma com um negativo como o do Sudário.
Como conclusão devemos reconhecer simplesmente que não
se pode sequer pensar em pintura. Os adversários da autenticidade
o sabem tão bem que, prazenteiramente, retrocedem logo indo
buscar abrigo nas trincheiras da tintura ou da imagem obtida
por contacto ligeiro, como a do pintor Clemente. Vi esta imagem,
não na obra do Padre Braun, mas no próprio original . Não há
ali senão um decalque grosseiro. O assim chamado negativo tem
um claro-escuro sem delicadeza, sem gradação nas côres, em nad.a
comparável tecnicamente à Santa Face do Sudário. Também aqui
se apresentam tôdas as objeções contra a possibilidade de tal impressão
no século XIV, na falta de uma estátua completa ou
equivalente. Não se trata de apreciar a impressão desbotada que
se obteria com algumas manchas de côr. Já vimos que reproduções
de coágulos, como os do Sudário, não podem ser executados coin
colorante algum. Clemente, na realidade, não o tentou. É de pasmar
o ver-se pessoas doutas (talvez demasiadamente doutas para
se deixarem levar por gracejos) considerar como experiência científica
o que não passa de divertida caricatura de "atelier". Passemos
às cousas sérias que estas ainda nos reservam bastantes
dissabores e incertezas.
Estêve portanto um cadáver nessa Mortalha. - Por que deveria
ter sido o de Jesus Cristo e não o de outro homem? Eliminemos
logo e ràpidamente esta objeção repetida com freqüência.
O cadáver que nela estêve depositado tem todos os estigmas da
Paixão. Todos os que deve ter· um crucificado, objetar-me-ão. Com
efeito, inclusive a flagelação e mesmo o ferimento de lança no
coração, se o corpo tiver sido devolvido à família ( como o veremos
no cap. 2.• C, 6.0) . Mas, um único crucificado, que o saibamos,
foi coroado de espinhos, e êste é o nosso. Além disto, se
êste não fôsse o Sudário de Jesus Cristo, porque o teriam guardado
com tanto carinho? Enfim, que condenado à morte poderia
apresentar em seu semblante tanta nobreza e majestade divina?
Não insisto ; que o próprio leitor decida, depois de ter com tôda
a humildade, contemplado esta Santa Face.
A teoria de Vignon, a mais antiga, considera as impressões
como um escurecimento do aloés espalhado sôbre 1:1. tela, operado
pelo amoníaco exalado pelo corpo. Êsses vapores teriam
agido na razão inversa dos quadrados das distâncias dos relevos
corporais à superfície do Sudário (O futuro nos dirá se há algo
de verdade nesta última frase ; se bem que para a imagem que
se produziu sob o cadáver não o veja muito bem, mas admitamos!
) . f:sses vapores seriam devidos à decomposição da uréia (do
suor e do sangue, acumulada na superfície do cadáver ( ? ) . Aqui,
porém, me recuso a aceitar a hipótese. Acabamos de ver, há pouco,
a respeito dos coágulos que teriam sido reduzidos ao estado líquido
por dissolução da fibrina, o quanto esta transformação da uréia
em carbonato de amoníaco era cousa bem problemática e retardada,
senão nula, ·em presença do aloés. A teoria de Vignon,
sedutora à primeira vista, bem que suscita outras dificuldades, mas
parece, sobretudo, pecar pela base. O próprio Vignon em seus derradeiros anos e já desde 1938, parecia não mais lhe tributar
muita confiança.
Meu bom amigo, D. Scotti, salesiano, é doutor em medicina
e excelente químico. Foi êle quem se encarregou da edição italiana
de meu livrinho "Les Cinq Plaies", . aliviando-me de um trabalho
que, sem seu devotamento, iria eu mesmo empreender, traduzindo-
o para o italiano. A partir de 1 931, fêz êle numerosas pesquisas
sôbre o aloés, seus compostos e derivados. Lamento que
seja impossível resumi-las claramente. Por exemplo : a aloetina
toma, em contacto com a água e com substâncias alcalinas uma
coloração sépia, por sua transformação em aloeresinotanol. - Os
panos mergulhados alguns minutos em solução de aloina, cujo
princípio colorante é a aloemodina, tomam ao simples contacto
com o ar, no espaço de dois meses, uma côr rosa carmínea. A
ulterior ação da luz solar aviva ainda mais estas côres. - Já podemos
entrever aqui a possibilidade de uma revelação progressiva
e retardada das impressões do Sudário.
Judica e Romanese, desde 1939, conseguiram impressões de
cadáveres. O que os relaciona com Scotti:, é que também êles
eliminam o amoníaco. Ambos operaram por contacto leve. Mas
Judica obteve suas impressões espalhando sangue sôbre o cadáver
e impregnando o pano de óleo e de essência de tereben tina.
A gradação das côres nas imagens foi obtida mediante exposição
ao vapor de água quente . . . Romanese simplesmente
aspergiu o cadáver com sôro fisiológico (solução de cloreto de
sódio, i _ e _ de sal de cozinha) borrifou o pano com aloés pulverisado.
- As imagens obtidas por êstes dois processos ficam ainda,
é fôrça confessá-lo, bem lcnge da perfeição da Santa Face do
Sudário. Mas está aí uma novidade, que deve encorajar a que
se prossigam as pesquisas neste sentido.
Citarei, para terminar, um trabalho muito sugestivo, publicado
em 1 942, por meu amigo Volckringer, farmacêutico-chefe
do Hospital de São José, cujas experiências sôbre a ure1a
examinávamos há pouco (pág. 33) . També􀖜êle fêz pesquisas
sôbre a formação de côres que se aproximavam bastante das de
Scotti. Em seu trabalho "Le Problême des Empreintes devant
la Science" - "O Problema das Impressões perante a Ciência".
(Librairie du Carmel, 27, rue Madame, Paris, 6.") apresenta um
fato completamente original e belissímas imagens, as únicas que
até agora se aproximam por sua perfeição das do Santo Sudário.
É verdade, que elas também se formaram naturalmente e, como
vamos ver, sem amoníaco, sem aloés e, em alguns casos, sem
contacto direto. Não se trata, é verdade, de tecidos animais mas
sim vegetais. São, no entanto, tecidos vivos; e são bem conhecidas
as analogias existentes entre os dois reinos. Só a título de
exemplo, ret:ordemos que se encontra nas plantas a uréia como
também o ácido úrico, a alantoina e o ácido alantóico. Desgrez
demonstrou a transformação da clorofila vegetal e da hematoporfirina
animal na mesma urobilina, sob a simples ação dos raios
ultra-violeta.
Volckringcr verüicou, ao manusear antigos herbários, a
presença sôbre o papel, de imagens características reproduzindo
as plantas conservadas (Vide figs. 22 e 23 ) . A planta completa
e inteiramente desidratada perde muito depressa a maioria de
seus caracteres exteriores. - Como a plantinha foi fixada sôbre
uma fôlha que por sua vez foi colocada entre outras duas fôlhas,_
encontra-se com freqüência uma imagem superior e duas inferiores,
sendo que a 2."' se forma sôbre a fôlha envoltória, através da
fôlha em que fôra fixada a planta.
Encontram-se essas imagens, seja qual fôr o teor de água
da amostra, a presença ou ausência de clorófila, pois as raizes
fornecem as mesmas imagens.
Ora, outro fato que não deve ficar no esquecimento, tais.
imagens não existem nos herbários recentes. Não aparecem senão.
após longos anos. São muito nítidas em um herbário de 1836; há
apenas alguns traços em outro herbário de 1 908, com 34 anos
portanto de existência, em 1 942, quando foi examinado.
Parecem resistir estas imagens a todos os reativos com exceção
do amoníaco, que atenua bastante a coloração reduzindo-a a.
um círculo pardo no limite da região tratada.
Apresentam-se essas imagens "como leve desenho de côr sépia􀃯
com continuidade perfeita : o exame à lupa não revela o mínimo
traço, mas um conjunto de manchas sem limites definidos". Bem
que se poderia tomar esta descrição como a das imagens impressas
no Santo Sudário, mas ainda não é tudo. "Distinguem-se sôbre
a impressão em côr sépia as nervuras das fôlhas em suas menores
ramificações, os recortes do llmbo . . . as dobras e as posições
recíprocas das partes da planta, graças à comparação das
duas impressões superior e inferioc . . . O conjunto da planta vem
reproduzido fielmente nas duas imagens."
Eis aqui, porém, o mais interessante, Volckringer fotografou
essas impressões e viu na chapa fotográfica, que, "ao contrário
da própria imagem, as partes salientes da planta estão
figuradas em claro, ao passo que as partes situadas em planos
afastados estão figuradas em sombra". A imagem inteira dá extraordinária
sensação de relêvo e se destaca nitidamente sôbre fundo.
escuro.
Trata-se pois de uma imagem normal, positiva, da planta
outrox·a depositada entre essas fôlhas de papel que nos apresenta
a chapa. Ora, essa planta está reduzida à condição de cadáver.
"massa unüorme mais ou menos amarrotada, de côr parda ou
escurecida ; o relêvo desapareceu quase que completamente; as
nervuras são quase que invisíveis e as minúcias bastante enfraquecidas.
O negativo dêsse cadáver dá o mesmo aspecto amarfanhado,
a mesma ausência de relêvo." E essa planta já tinha o
mesmo aspecto, muito tempo antes que aparecessem os primeiros
traços desta impressão admirável, a única que se assemelha à do
Sudário.
Volckringer se desculpa, ao terminar, por ter que acrescentar
novo problema a ser resolvido, em vez de trazer uma solução.
ao do Santo Sudário. No entanto, êste novo fato nos permite, e
já é muito, afirmar que, seja qual fOr o modo de formação das
impressões no Sudário, trata-se de fenômeno natural, uma vez
que a natureza nos fornece expontaneamente outro exemplo.
Além disto não poderíamos nós tirar dai a conclusão de que
a Mortalha encontrada no Santo Sepulcro não trazia senão imagens
sanguíneas? As imagens do corpo só teriam sido reveladas,
pouco a pouco, após longos anos! Já Noguier de Malijay, em 1 929,
registrava esta hipótese proposta pelo fotógrafo M. Desgranges.
Como logo se vê, há ainda largo caminho a percorrer para
se elucidar a questão das impressões do Santo Sudário. Com suma
freqüência estamos a ouvir perguntas do tipo: Por que não flzestes
tal ou qual pesquisa, tal ou qual experiência? - Acabaria
isto por se tornar odioso se não fôsse também tão ridículo. Não
esperamos as sugestões dos adversários da autenticidade para pe··
dirmos as averiguações cientificas. Pedimo-las muito antes dêles
e pedimos muito mais. Respondamos de uma vez para sempre:
Se o Sudário nos pertencesse pelo menos há 20 anos que tudo
isto já estaria feito, uma vez que o programa já estava pronto
em 1 933 ; ao depois nada mais fizemos senão aperfeiçoá-lo. 
Paciência!
Enquanto esperamos o dia feliz, podemos, creio eu, concluir
com uma frase de obstinado adversário da autenticidade, o R. Padre
Braun (tirada de seu artigo publicado na "Nouvelle Revue de
Theologie", nov.-dez. de 1939, pág. 1041 ) . Sou eu quem sublinha,
e com alegria, porque, decididamente, todos os caminhos levam
a Roma : "Sem dúvida, a notável impressão deixada sôbre o Tenerável
pano de Turim, seu admirável realismo, seu caracter impessoal
e quase escultural, seguramente estranho à pintura medieval,
continua um mistério".
Para completar meu pensamento, acrescentarei, com o Santo
Padre Pio XI : "Muito de mistério envolve ainda êste objeto sagrado,
mas é certamente sagrado como nenhum outro e seguramente
( pode-se dizer cousa averiguada, mesmo fazendo abstração
de tôda e qualquer idéia de fé e piedade cristã ) não é obra humana
- certo non e opera umana". (5 de set. de 193 6)

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