A Paixão de Cristo
Segundo o cirurgião
CAPITULO 4DESCRIÇÃO GERAL

1 .0 - O Tecido. - O Sudário é uma peça de linho de 1 ,10 m
de largura por 4,36 metros de comprimento. Vignon emitiu a
hipótese de que êste comprimento tivesse sido outrora maior e
que o Sudário tivesse sido encurtado por subtração na extrep1idade
da imagem anterior, feitas pelos imperadores de Constantinopla para
donativos. Parece, no entanto, como escreveram Antônio Legrand
e o Padre d'Armailhac (9), que nada falta nessa extremidade
do Santo Sudário. O exame mais detalhado da imagem ante:t:ior
das pernas a apresenta com efeito, completa e indo até a extremidade
dos pés (Vide capítulo 6.0 in fine). Pelo contrário, houve uma
subtração lateral, nessa altura, e que foi reparada com peça semelhante
à das Clarissas para as partes queimadas.
Pode-se estudar à vontade a estrutura dêsse tecido, graças às
fotografias em ampliação direta de Enrie, que fornecem uma superfície
7 vêzes maior. Pode-se examinar em todos seus detalhes,
melhor do que sob a lupa; e é o que têm feito peritos competentes
na França e na Itália. Tem resultado dessas perícias que se trata
de tecido de linho urdido em "espinha de peixe". A confecção de
sua contextura: "3 liga 2", necessita um tear de 4 pedais. Comporta,
segundo Timossi, especialista de Turim, 40 fios por centímetro
para a trama e 25 batiduras por centímetro. É uma tela de linho
(9) Do&;lers du Saint-Suaire, nov. 1939.
puro, cerrada e opaca, executada com fio grosseiro e de fibra crua.
Isto é muito interessante, porque o exame fotográfico do tecido
demonstrou que tõdas as imagens do Santo Sudário resultam de
simples impregnação dos fios; impregnação esta que foi facilitada
pela caracterfstica propriedade do linho de ser excelente absorvente.
:!ste exame elimina definitivamente a hipótese cem vêzes
repisada de uma pintura e portanto de uma simulação. Ainda voltaremos
às escapatórias dos adversários que a querem fazer uma
impressão a tinta. (Vide pág. 36 ) .
Um tecido desta espécie está perfeitamente em seu lugar no
tempo de Jesus. Tecidos análogos foram encontrados em Palmira
e em Doura Europos. Parece mesmo que o lugar destas teceduras era
a Mesopotâmia e, em particular, a Síria. Devia, portanto, ser encontradiço
no comércio de Jerusalém no ano 30 . Foram encontradas,
em Antinoé, peças de linho da mesma largura e sensivelmente
mais compridas ( 1 0 ) .
2.0 - As partes queimadas. - O que, logo à primeira vista,
sempre chama a atenção e atrapalha os principiantes no estudo das
impressões, são os vestígios de queimaduras escalonadas dos dois
lados das imagens centrais. Sua coloração mais intensa e mais negra
eclipsa um pouco as impressões muito mais discretas. As maiores
estão dispostas em duas séries de 6, tendo as mesmas dimensões,
exceto as 4 últimas que são parciais. Pode-se fàcilmente deduzir
a maneira de dobrar, nos dois sentidos, comprimento e largura,
que terminava por uma série de 48 dobras. A queimadura tendose
produzido em um ângulo da tela dobrada em retângulo, no
relicário, atingiu tôdas as dobras e produziu duas séries de buracos.
Por felicidade, a queimadura só atingiu um ângulo próximo das
bordas laterais deixando intacto quase todo o retângulo central f!'
não destruiu senão as espáduas e os braços da imagem anterior.
Estas partes queimadas estão circundadas por uma coloração
ruiva como a do traço de um ferro demasiadamente quente. Tinham
êles estragado uma parte da tela em seu centro, partes estas, que
foram substituídas por peças novas : trabalho das Cla:dssas de Chambéry.
A água empregada para apagar o incêndio se espalhou pelo
tecido ocasionando um circulo carbonizado e produzindo largas
zonas delimitadas, também elas, em série simétrica, porém, mediana.
Na mesma direção que as maiores, existem outras queimaduras
mais discretas, em séries de pequenas manchas redondas e ruivas.
Devem ser atribuidas a outro incêndio anterior. Com efeito,
já aparecem na cópia feita em 1 5 1 6 que se conserva em Lierre na
Bélgica, anterior por conseguinte ao incêndio de Chambéry (talvez
o incêndio de Besançon ) .
3.0 - As Dobras. - Além das queimaduras, pode-se também
iicar desconcertado inicialmente por certo número de traços trans ·
( 10) Vide estudo mais detalhado em Vigoor., Saint-Suaire, 1939.
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versais (negros sôbre o positivo, porém brancos sôbre os fac-similes
da chapa) que riscam as imagens. São simplesmente o resultado
das dobras do tecido que se não conseguiu desfazer completamente
ao estendê-lo em sua moldura leve. Os traços negros são as sombras
dêsses vill'Cos.
4. o - As Impressões do Corpo. - Na parte mediana da Mortalha,
pode-se notar perfeitamente dois corpos impressos, opostos
pela cabeça, que, no entanto, não se tocam. Enquanto o primeiro
retrata a imagem anterior de um corpo humano, reproduz o outro
a imagem posterior. Na suposição de imagem produzida por um
cadáver, a explicação é muito simples. O corpo foi deitado de costas
sôbre uma das metades do comprimento da mortalha, que foi em
seguida, dobrada por cima da cabeça sôbre a face anterior do cadáver,
até os pés. A miniatura de G . B . della Rovere (séc. XVIII)
(fig. 1 ) representa perfeitamente esta manobra. Compreende-se
fàcilmente que, tendo o corpo impresso sua imagem sôbre a Mortalha,
deve esta estar invertida nas duas impressões.
Como esta particularidade é muito importante, é bom fixá-la
bem na mente: Se olharmos um homem de pé face a face, seu lado
direito estará à nossa esquerda e vice-versa. É o que vemos no
fac-simile da chapa fotográfica, que, invertendo a imagem da Mortalha,
nos apresenta o cadáver como se o víssemos diretamente.
Mas, sôbre o Sudário, que é por sua vez uma impressão, ou sôbre
a prova positiva fotográfica, a imagem anterior se apresentará como
se nos olhássemos no espelho, i . e . todo seu lado direito e a chaga
do coração, estarão à nossa direita e vice-versa. Da mesma maneira
que sôbre a imagem dorsal, o lado e:;querdo estará à nossa direita,
e vice-versa.
A coloração sépia destas impressões é devida, já o dissemos,
ao escurecimento individual de cada fio.
O conj unto revela uma anatomia perfeitamente proporcionada,
elegante e robusta de um homem que mede cêrca de 1 ,80 metro.
O rosto, apesar do aspecto estranho de tôdas essas impressões, que
logo dão a um fotógrafo a idéia de um negativo, é belo e imponente.
Está o rosto enquadrado em duas massas de cabelos, que parecem
um tanto repuchados para a frente. Provàvelmente a faixa do
queixo que conservava a bôca fechada devia passar atrás dessas
massas, no alto da cabeça, devia afastar a Mortalha, de onde se
explica o espaço livre entre as 2 imagens, posterior e anterior da
cabeça.
Os membros inferiores são muito visíveis na imagem posterior,
indo até uma impressão perfeita do pé direito. Na imagem anterior,
as pernas se sombreiam em sua parte inferior como se o
pano estivesse estendido a certa distância dos tornozelos . Mas,
veremos melhor todos êstes detalhes ao estudar cada uma das
chagas.
O que também chama a atenção no conjunto destas impressões
corporais, é sua surpreendente expressão
'
de relêvo. Não há
um traço, um contôrno, nem uma sombra sequer, e, no entanto,
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as formas surgem a:e modo estranho do fundo. Aliás isto se confirma
pelo fato de que nunca vi cópia, pintura ou desenho, que
se assemelhe à Face do Sudário. Ao passo que, a medalha em
baixo relêvo, feita por meu amigo o Dr. Villandre causa a mesma
impressão que ela.
5.0 - As lmpressães Sanguíneas. - Estão estas espalhadas
por tôdas as partes a merecerem minuciosa análise : chagas da
flagelação, da coroação de espinhos, de tôdas as sevícias do processo,
do transporte, da cruz, da crucifixão, e até finalmente o
ferimento produzido pela lança sôbre o corpo já cadáver, que,
em duas etapas sucessivas, lhe esvaziou as veias de todo seu
sangue.
Tôdas estas impressões sanguíneas têm coloração muito especial,
que sobressai sôbre o sépia das do corpo. São carmíneas
tendendo um pouco para o violeta pálido, segundo Vignon . Mais
ou menos intensas e carregadas segundo as chagas, chegando a
variar na extensão da mesma chaga. É isto o que dá uma impressão,
às vêzes surpreendente, de espessura variável, como se
estivéssemos contemplando o relêvo do próprio coágulo de sangue.
Outra particularidade importante: Enquanto sôbre a impressão
do corpo tudo está em claro-escuro, em gradação insensível,
bordos imperceptíveis ; os decalques sanguíneos têm limites muito
mais precisos e parecem mesmo muito nítidos nas fotografias
reduzidas. No entanto, nas fotografias de tamanho natural, embora
guardando esta nitidez e dando esta impressão de maior es ·
pessura sôbre os bordos, são vistos às vêzes envolvidos por uma
auréola muito mais pálida, por uma espécie de halo. Isto é devido,
como o veremos, ao sôro qúe transuda de um coágulo ainda
fresco formado sôbre a pele.
Voltarei constantemente a êste ponto que é capital na questão
de imagens sanguíneas, quero nêle insistir desde agora, porque é
difícil de ser bem apreendido por quem não estiver familiarizado
com o sangue em suas diversas modalidades. O que imediatamente
impressiona um cirurgião e que, ém seguida, se confirma por
estudo mais atento é o inconfundível aspecto de coágulos formados
sôbre uma pele que apresentam todos êstes decalques. Vêde!
É isto para mim, tão evidente que, sem nêles pensar, já vos estou
falando de decalques, pois foi assim, como veremos, que se formaram
essas imagens sanguíneas.
Quando escrevia, em maio de 1 933, meu primeiro artigo
sôbre as chagas das mãos, não tinha então como documentos, de
resto e:jecelente, senão as fotografias. Tôdas as imagens eram
portanto de côr negra de diversa intensidade. Os autores, especialmente,
Noguier de Ivlalijay, insistiam sôbre a rnonocromia da
Mortalha, apesar de testemunhos antigos e respeitáveis, como o
das Clarissas de Chambéry. Por isso, depois de ter visto o Sudário
à luz do dia em 1933, escrevi na 1.a edição do opúsculo "Cinq
Plaies du Christ", o seguinte:
"Por ocasião da última exposição, feita em 193 3 , por concessão
extraordinária em razão do ano jubilar da Paixão, fui a
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Turim e pude, aos 14 de outubro, estudar demoradamente, o Santo
Sudário, tal como estava exposto na Catedral sôbre o altar-mór,
em sua moldura monumental, alumiado por fortes projetores elétricos.
A imagem era exatamente tal como fôra descrita, sépia;
as chagas eram simplesmente mais carregadas que o resto, destacando-
se mais ou menos sôbre o conjunto uniforme das duas imagens
humanas.
"Mas, no Domingo, 15 de outubro, dia do encerramento, desceram
a relíquia da pesada moldura onde fôra exposta, protegida
por um vidro; e 25 prelados levaram-na solenemente em sua
moldura leve até à escadaria externa da Catedral para apresentála
à veneração da grande multidão reunida na praça, por detrás
de duplo cordão de soldados de infantaria. Estava eu diante dêstes,
sôbre os degraus da escadaria, e S. Eminência o Cardial Fossati,
arcebispo de Turim, teve a bondade de fazer repousar o painel
na beira da escadaria por alguns minutos para que a pudéssemos
contemplar cômodamente. O sol acabara de se pôr por detrás
das casas do outro lado . da praça; a luz viva, porém difusa, era
ideal para a observação. Vi, pois, a Mortalha em pleno dia sem
interposição de vidro, a menos de 1 metro e experimentei bruscamente
uma das mais fortes emoções de minha vida, porque
divisei, sem que o esperasse, que tôdas as imagens das chagas
tinham côr nitidamente diferente das do conjunto do corpo e
fõra esta côr de sangue ressequido que impregnara o tecido. Não
se tratava, portanto, como o restante, de tingidura do Sudário
reproduzindo o relêvo do cadáver.
"0 próprio sangue tingira o tecido por contacto direto: e eis
a razão pela qual as imagens das chagas são positivas enquanto
todo o resto é negativo.
"Para um profano em pintura, era difícil definir a tinta exata,
mas o fundo era vermelho (carmíneo levemente tendente para o
violeta, dizia M. Vignon, que er-a pintor e fino no emprêgo das
côres), mais ou menos esmaecido segundo as chagas; mais acentuado
no lado, na cabeça, nas mãos e nos pés; mais pálido, embora
muito perceptível, sôbre as inumeráveis chagas da flagelação . . .
Mas o cirurgião compreendia, sem poder disso duvidar que fôra
sangue o que impregnara êsse tecido e êste sangue era o sangue
de Jesus Cristo !
"De longa data conheço os italianos e suas vivas reações me
são muito simpáticas, mas confesso que nesse dia fiquei surpreendido:
a multidão se limitou a aplaudir.
"Quanto a mim, transtornado em minha alma de católico e
de cirurgião por uma tal revelação repentina e subjugado por esta
presença real, que se impunha a mim como uma evidência, dobrei
os joelhos e adorei em silêncio."
Reprovaram-me, com uma ironia que me contrista por seus
autores, esta frase : "O cirurgião compreendia, sem poder disso
duvidar, que fôra sangue o que impregnara êste tecido". Terei
talvez pecado por excesso de concisão, mas sou menos ingênuo
do que posso parecer. Ou antes, há pessoas que não sabem ler e
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outras que não querem ler. Acrescentei, por isso, na 2 .a edição,
êste parágrafo:
"Uma prova rigorosamente científica de que estas manchas
f;ejam de sangue exigiria, sem dúvida, (se fôsse permitido) exames
físicos ou químicos, por exemplo, a pesquisa ao espectroscópio
dos raios da hemoglobina ou de seus derivados. Mas, uma vez provado
que as outras imagens não são produto de mão humana e
que esta Mortalha envolveu um cadáver, êsses vestígios de chagas,
tão ricos em minúcias tão verdadeiras quão imprevistas, poderiam
ter sido coloridos por outra cousa que não o sanrue?"
Tendo mais espaço em um livro do que em um opúsculo,
desenvolverei meu pensamento, tanto mais que me levará êste
desenvolvimento a insistir sôbre um dado capital para a compreensão
das imagens sanguíneas, i . e . a sua própria formação.
Estudá-la-emos um pouco mais adiante, no artigo E, 1. o , dêste
mesmo capítulo.
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